Aerograma

Isento de Porte e de Sobretaxa Aérea

28  09 2009

20 anos, 188’762 km

Devido a uma estranha sucessão de acontecimentos, desencadeada por ainda mais bizarras razões, dei por mim a ter uma autêntica experiência luandense, daquelas irrepetíveis noutro lugar porque só aqui fazem sentido, como andar de gôndola noutro lugar que não Veneza.

Conduzir um Starlet com quase duas centenas de milhar de quilómetros nas ruas de Luanda é uma experiência e tanto. Não por conduzir em Luanda, ou por conduzir um Starlet com 20 anos. A verdadeira experiência é mesmo conduzir um Starlet velhinho em Luanda. Ou melhor, um Cetarléte, como aqui lhes chamam.

O rádio, garantiram-me, é dos que fazem bwé barulho. Achei desnecessário, porque até nem gosto de ouvir música alta no carro. Dei à chave e pegou à primeira. Nada mau. Um trabalhar certinho, embraiagem e caixa sem folgas. Parecia novo. Liguei o rádio e escolhi um dos discos piratas riscados e sujos que rebolavam debaixo do banco. Apesar de parecer impossível, o leitor reconheceu aquilo como um disco e começou a tocar.

Devagarinho, arranquei. A suspensão não faz barulhos estranhos nem se contorce como muitas que tenho visto nas avenidas e ruelas de Luanda. Tudo parece funcionar perfeitamente. Excepto os travões, que apenas permitem ir abrandando nas subidas, mas não se pode pedir tudo. Por outro lado, é facto conhecido que os condutores de Luanda apenas usam o travão nas duas ou três situações que uma aceleradela a fundo não resolve o embaraço.

Assim que passei sobre o primeiro buraco compreendi, finalmente, porque razão há tantos carros a circular com a música tão alta que incomoda os condutores da rua ao lado. Todos os plásticos e parafusos no interior do carro chiam e guincham a qualquer trepidação. O concerto de grilos é de enlouquecer. A única solução é abrir a janela, aproveitar o rádio que faz bwé barulho e esperar não ficar surdo por ouvir Bob Marley aos berros. E sorrir alarvemente, claro!

Acerca do autor

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Nascido no século passado com alma de engenheiro, partiu para Angola, de onde envia pequenos aerogramas.

2 respostas a “20 anos, 188’762 km”

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  1. E sorrir alarvemente faz tão bem!

  2. Faz maravilhas para as rugas!

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