Aerograma

Isento de Porte e de Sobretaxa Aérea

15  12 2009

O Governo tem que dar

Uma das frases mais repetidas em Angola ou, pelo menos, em Luanda é que o Governo tem de dar. Não sei o que pensa a maioria dos angolanos acerca disto, mas eu acho-a pouco condizente com o orgulho que se tem no país.

Não há problemas que as pessoas encarem como seus. A resolução de tudo tem de passar pelas mãos do Governo. Para este estado de espírito colectivo contribuiu, entre outros factores, um período de economia centralizada em que cada um era tratado como uma criança e apenas tinha de esperar que o Estado providenciasse trabalho, pão e tecto.

Boca de incêndio desactivada
O Governo tem de apagar os incêndios

Os pescadores não têm barcos. Esperam que o Governo lhes dê uns, de preferência com motor. Passados alguns meses, o motor avariou, quer seja por falta de manutenção, quer seja por má utilização. Reclama-se e espera-se que o Governo ofereça outro, sabe-se lá a que custo para o país.

Se se constrói uma casa no leito de um rio seco e ela é destruída nas primeiras chuvas é uma desgraça, mas quem tem de resolver é o Governo, porque o cidadão construiu e o Governo não o avisou que era perigoso e agora não sabe onde vai morar. Se se encheu o rio de lixo e ele transbordou, tem de ser o Governo a limpar e a reparar as casas. Afinal de contas, a população tem muito orgulho no país e muito brio na obra do Governo.

Lixo retirado do rio seco a cada dois meses
Lixo retirado do rio

Diz o Governo que quer apoiar os jovens, que é a grande maioria da população. Dá-lhes ferramentas, máquinas e motorizadas, geralmente sem contrapartidas. Já se sabe que o quue não custa a ganhar não é estimado como o que foi adquirido com o trabalho. Aliás, quando for preciso, o Governo dá novo.

Se há lixo nas ruas, não se pede caixotes, que seria a obrigação do Governo, pede-se que venha limpar, mas continua-se a atirar o lixo para qualquer canto.

Contentor a transbordar
Lixo

O Governo tem que dar casas, carros e cabazes de Natal. Poucos são os que pedem aquilo que o Governo devia mesmo dar, que são escolas, pontes, saneamento básico e transportes públicos. O Governo dá gasolina barata em vez de transportes e electricidade. O Governo dá estádios em vez de pontes. O Governo dá casas em vez de hospitais. As pessoas habituam-se a andar de mão estendida para o Governo e passam a acreditar que a solução para tudo é pedir.

Conhecemos um sujeito que anda num carro a cair de podre, que lhe gasta o salário e mais alguma coisa em reparações e litros de óleo que vai pingando na estrada. A partir do próximo ano o seguro automóvel vai passar a ser obrigatório e ele não sabe como o há-de pagar. A solução por ele encontrada é que deveria ser o Governo a ajudar os jovens e pagar-lhes o seguro. A desresponsabilização por tudo excepto parece demasiado arreigada.

Quando ocorre um incêndio por causa das dezenas de geradores e depósitos de água que se acumulam promiscuamente nas traseiras dos prédios, é uma desgraça. Os bombeiros, quando chegam a tempo, contam apenas com a água que levam nos carros, porque a rede de incêndios há muito que deixou de funcionar. Muitas vozes se levantam depois pedindo geradores e depósitos novos ao Governo, em vez de exigirem bocas de incêndio a funcionar ou electricidade e água sem falhas que causem a necessidade de comprar os geradores e depósitos que fizeram arder o prédio.

Diz uma zambiana mal vista por meia África que os africanos têm de perder o hábito de estender a mão e enfrentar os seus problemas em vez de esperar que alguém os resolva por si. O desenvolvimento de África vai-se conseguir pela educação e não pelas ajudas humanitárias que apenas adiam a resolução das coisas.

"Impulsos" - carros de mão em madeira
Todo o trabalho é digno

Por este país fora tenho visto gente empreendedora, homens, mulheres e jovens a trabalhar para ganhar a vida, mas também tenho visto muitos desocupados, cujo único propósito na vida é espera que o Governo lhes dê alguma coisa, de preferência sem exigir nada em troca.

Espero que os angolanos aprendam depressa que o Governo não tem de dar nada senão educação, segurança, assistência social e médica, infra-estruturas e incentivos à economia. Tudo o resto depende de cada um.

Acerca do autor

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Nascido no século passado com alma de engenheiro, partiu para Angola, de onde envia pequenos aerogramas.

8 respostas a “O Governo tem que dar”

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  1. Meu caro

    Você está redondamente enganado. A culpa foi, é e continuará a ser dos colonos e por isso têm de pagar ad aeternum.
    Enquanto isso a classe dirigente, os famosos timoneiros dos destinos (desatinos efectivamente) de África em geral e de Angola em particular, vai-se governando.
    E você vai constatando uma evidência experimental que eu também constatei in loco vai para mais de uma década.
    Angola só andou para trás.
    Mas falemos baixinho e não digamos nada a ninguém. A libertação do povo, os direitos, etc., etc., etc., é tudo treta.

  2. Na mouche!

    Em Angola, em Moçambique, na Guiné and so on. Mas é assim que se vão ganhando as eleições. Educação só o mínimo essencial para as elites ligadas ao poder. As coisas não se ganham: o governo dá. è essa a cultura é isso que sustenta quem exerce o poder.
    Mas não se admirem. Os governos quando não têm fazem o mesmo. Pedem! Há sempre uma UE, uma China uns EUA prontos a dar tb. Assim os controlamos não é?

  3. Enquanto as elites puderem pagar a factura da “amizade” dos seus aliados contra os colonos com o dinheiro que não é deles e conseguirem distribuir umas migalhas aqui e ali, a situação não mudará.

    Mas isso é uma história que ainda precisa de ser bem contada.

  4. E para acrescentar, “fazem” feriados tipo o de 4 de Janeiro, que é Dia dos Mártires da Repressão Colonial!!!!!!!! Por amor de Deus!!!! Façam algo por estas pessoas, não lhes deem o peixe, ensinem a pescar…
    Quanto à história que fala em ser contada Afonso, só mesmo em livro….
    Mais uma vez um bem haja

  5. Há uns dias houve um indivíduo, que anda agora a tirar uma formação superior, que me tentou convencer que a educação em Angola estava muito bem e se recomendava a todo o Mundo.
    Parece que estava a ouvir uma propaganda da onda do “Beber um copo de vinho é dar de comer a 1 milhão de portugueses”.
    E esta malta embrenha-se no partido, papa estas baboseiras todas e nem olha à sua volta para se questionar porque é que continuam a contratar expatriados.

  6. O pior já nem é a constatação de como o sistema funciona sem funcionar, é mesmo ficar com a esperança no fundo do poço de que se altere alguma coisa sem que piore ainda mais. E isso é que é lamentável e depois faz com que muitos que ainda com vontade de tentar, acabem por entrar na onda de desvalorizar e do deixa andar.

  7. Viva Afonso, sou um angolano radicado em Porugal e no reino
    da Belgica. Penso que o povo angolano tem de ter auto-iniciativa de criar, sustentabilizar-se. Stop de dependerem
    sempre do estado…trabalhem!!! Temos que admirar os povos
    nórdicos que trabalham com neve, angolanos vocês aí têm um
    bom clima, mão a obra irmão, atenção que o branco e os pretos na Europa, trabalham Buêssssssss…. saúde todos angolanos e português que querem o bem de Angola. Bom Natal!!!

  8. Estive a pôr a leitura em dia e só agora li esta entrada.
    De novo, na mouche, parabéns!
    Mas não é só em Angola…
    Nas terras lusas, o sentimento geral é quase o mesmo, e se, ou quando, o governo não dá, “devia dar”.
    E isso transmite-se a toda a sociedade.
    Nem calculas o que por cá vai naquele desporto que bem conheces. O governo já lhes dá 3/4 do que é preciso mas é um escândalo que não seja de borla.
    Fica bem.

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