Aerograma

Isento de Porte e de Sobretaxa Aérea

16  12 2009

Os confortos do mundo moderno

Como capital moderna e progressista, inserida na sociedade global, Luanda orgulha-se de contar com todos os confortos habituais do mundo moderno. Apenas os sistemas de aquecimento central estão ausentes, por manifesta falta de necessidade.

As redes de água canalizada, muito danificadas durante os primeiros anos da guerra civil, vão-se recompondo lentamente. Novas condutas de calibres médios estão a ser instaladas um pouco por toda a cidade, melhorando muito a qualidade da água distribuída e diminuíndo a frequência das falhas.

Um pouco por toda a área metropolitana de Luanda há depósitos de gás de cozinha para abastecer os milhões de habitantes da cidade. Segundo informações da Sonangol, enchem-se diariamente trinta mil garrafas, o que equivalerá mais de duzentas e cinquenta toneladas de gás. É preciso resistir a fazer as contas que agora estão na moda para calcular a quantidade de dióxido de carbono resultante da queima de tanto gás. As pessoas têm de cozinhar e, se não usarem o gás, vão usar carvão vegetal de fabrico artesanal, o que significa muitas árvores abatidas por essa África fora.

Distribuição de gás
O gás que uns levam à cabeça e outros esperam em casa

Os combustíveis que alimentam a cada vez maior frota de automóveis angolana chegam em cada vez maior quantidade ao país, sendo vendidos a um preço altamente subsidiado que não incentiva em nada a sua poupança. Estando habituado a preços da gasolina e gasóleo a variar semanalmente em função do valor do barril de petróleo, não deixo de estranhar que um litro de gasolina custe 40 Kz com o câmbio para o dólar a 75 ou a 90 e com o custo do barril a variar loucamente. Em Angola tudo aumenta de preço excepto a gasolina, que fica cada vez mais barata.

Como em qualquer país civilizado, a rede de caixas automáticos permite levantar dinheiro a qualquer hora do dia e sem esperar nas filas dos bancos. O limite de levantamento diário foi aumentado para 36’000 Kz, facilitando ainda mais a vida às pessoas. Talvez seja a preparação para a febre consumista que se prevê com a abertura da próxima dezena de centros comerciais repletos de lojas de luxo.

Milhares de máquinas de ar condicionado revestem as fachadas de todo o tipo de edifícios de Luanda, desde as mais modestas casas de blocos e chapa, até às torres de vidro do centro. Como é natural, necessitam de electricidade para funcionar, tal como todos os frigoríficos, televisores, lâmpadas e receptores de satélite. Mesmo que a produção da EDEL seja insuficiente para a cidade inteira, sempre se pode contar com um gerador com combustível subsidiado.

Sonangol e CIF iluminadas
Bairros inteiros às escuras

As redes de telefone fixo foram, por razões pragmáticas, substituídas pelos telefones móveis. Há quase tantos números em serviço como angolanos vivos. As poucas linhas fixas que ainda resistem sofrem avarias demoradas, mas vão trabalhando.

Para melhorar os serviços de telecomunicações, constou-me que já se tinha concluído o anel de fibra óptica em Luanda. Esta infra-estrutura permite maiores larguras de banda para internet e telefones, aproximando a situação actual dos padrões mínimos do resto do mundo.

Os transportes públicos têm sofrido grandes investimentos em vias e material circulante, tanto a nível de autocarros, como de combóios. Foi também noticiada a aquisição, pelo Estado Angolano, de um cargueiro para transporte de carros, claramente uma prioridade para a satisfação dos apetites burgueses da nova classe média em termos de automóveis importados.

Candongueiro «Me chulao ja»
Os transportes actuais não satisfazem

Tenho de concluir que, numa cidade com tantas condições, devo ter um azar desgraçado. A luz falta há seis horas e a água outras tantas. O gasóleo para o gerador e a gasolina para o carro estão esgotadas nas bombas mais próximas. Se o gás acabar não há onde comprar sem ser no mercado negro, a dez vezes o preço normal, mas, a menos que o sistema Multicaixa voltar a ficar operacional brevemente, também não vou ter dinheiro para isso.

Os telefones fixos há semanas que não dão sinal de vida e os telemóveis reclamam com a rede demasiado congestionada. Ninguém faz ou recebe chamadas e nem adianta reclamar, que a resposta vai ser a do costume: «que uma empresa cortou a fibra óptica a abrir uma vala». É uma empresa azarada ou então a fibra foi enterrada a um palmo da superfície.

A internet não passa de um boato que circula por aí e, sinceramente, já nem me lembro quando foi a última vez que tive notícias de semelhante fenómeno. Em vez de descrever a qualidade da ligação pela largura de banda, terei de passar a falar em intermitência de banda.

Ainda quis escrever uma carta para relatar o sucedido, mas parece que os Correios não ma entregam.

Acerca do autor

1

Nascido no século passado com alma de engenheiro, partiu para Angola, de onde envia pequenos aerogramas.

2 respostas a “Os confortos do mundo moderno”

Nota: Comentários mal-educados, insultuosos ou desenquadrados serão apagados.
  1. Eu ia lendo e pensando: ” Querem ver que a magia do Natal caiu de tal forma em Luanda que agora está tudo a funcionar em pleno?”
    Afinal eu também faço parte do grupo dos azarados lol
    Bom post! É muita parra e pouca uva é o que é!

  2. “Funcionar em pleno”, Maré?
    Não pense tal coisa, estivemos práticamente 3 dias sem “ver” luz!!!!! Supostamente devido a uma avaria… e depois vemos inaugurações de Hoteis de 5* para fazer face ás visitas dos adeptos do futebol durante o CAN!!!!!!!!!!!
    Somos dos “felizardos” que temos gerador e todos aqueles para quem tal aparelho é um luxo?!
    Mais chocante é ainda vermos prédios como o da EDEL, que vejo da janela da minha casa, iluminado, assim como outros ainda em construção, quando há um “apagão” aqui na zona!!!!!!
    As telecomunicações são tal como diz o Afonso assim como a internet,uma questão de “sorte”, em inumeras bombas de abastecimento, as que teem combustivel, já nem os “bidons” querem atstar…
    Quanto aos correios, isso então…….enviaram-nos 3 cartas de Portugal à cerca de 3 semanas, claro que ainda não chegaram(nem acreditamos que cheguem ao destino), mas ainda o que nos deixa mais aborrecidos é por vezes “aparecerem” aqui pessoas que nos confrontam pelo facto de falarmos no lado negativo das situações, mas que infelizmente são a mais pura e dura das realidades.
    Vivemos aqui à muito pouco tempo, embora o meu marido seja Angolano, mas tenho aprendido a amar este país que tem algo “mágico”, tal como já me tinham descrito.
    Há sempre muito para dizer acerca de Angola…. Bom e mau

Deixe uma resposta

Nota: Os comentários apenas serão publicados após aprovação. Comentários mal-educados, insultuosos ou desenquadrados serão apagados de imediato.

« - »