O outro terminal
Afonso Loureiro
A grande revolução social em áfrica foi o telefone móvel. No resto do mundo complementou as redes de comunicação já existentes, mas aqui tornou-se o único meio de comunicação.
Em cada esquina de Luanda vemos revendedores de chamadas telefónicas, oficiais ou informais. Os kinguilas agitam maços de notas e serpentinas de saldos nas bermas das estradas. Os saldos são os cartões de carregamento de chamadas, medidos em UTT, que é uma unidade de contagem de blindagem contra as variações do Kwanza. No meio do trânsito, zungueiros passeiam telefones brilhantes, com os respectivos carregadores nos bolsos. Não é invulgar ver casas com tomadas nas paredes exteriores para ligar o carregador do telefone enquanto se cuida da mercadoria à venda no quintal.
Angola, dirão alguns, passou da idade dos tambores à idade da telefonia sem fios sem sequer ter tocado nas etapas intermédias. Os correios não funcionam, mas consegue-se telefonar de uma ponta para a outra do país com relativa facilidade.
Luanda tem metade da população concentrada em poucas centenas de quilómetros quadrados. E são exactamente os luandenses que têm maior poder de compra e se dão ao luxo de comprar telefones. A explosão de utilizadores de telemóvel não foi acompanhada pelo correspondente aumento de capacidade da rede. Obviamente que nem toda a gente telefona ao mesmo tempo, mas não há linhas suficientes para que as coisas funcionem normalmente.
As chamadas que caem a meio, os número alternadamente ocupados, inacessíveis ou desligados ou as inexplicáveis ausências momentâneas de cobertura são sinais de saturação extrema. A situação chega a dar azo a que se distorça as mensagens publicitárias das operadoras: UNITEL – O próximo mais distante.
Porque ninguém consegue falar com ninguém a um dado momento, toda a gente se socorre do expediente de comprar dois telefones, para o caso de um estar a funcionar mal. A situação, que era má, acaba por ficar duas vezes pior. Cada telefone ligado luta pelas poucas vagas existentes, tentando chutar outro qualquer do sistema. Pelo que me dizem, todos sentem que o seu telefone é um perpétuo perdedor nesta luta desleal. Sei que o meu é.
Quando se pede um número de telefone a alguém, ouvimos sempre a frase-chave «e o meu outro terminal é…».
A corrida aos números de reserva, os terminais, já levou a que se inaugurasse a segunda numeração da Unitel. Mais dez milhões de números disponíveis para lutar pelos recursos da rede. Acho que vou aprender a comunicar com os tambores, que o telefone vai deixar de funcionar.
Curioso, curioso, é que toda a gente diz estar sem saldo…
Angola, dirão alguns, passou da idade dos tambores à idade da telefonia sem fios sem sequer ter tocado nas etapas intermédias.
Então a telefonia fixa não conta?! No tempo da “outra senhora” (de má memória, apesar de tudo), Angola estava bastante bem servida de telefones fixos. Havia-os em todas as vilas e cidades, como poderá imaginar, assim como em muitas outras localidades de menor importância. A interligação entre as diversas redes era sobretudo assegurada por feixes hertzianos, julgo que na faixa das ondas curtas, e funcionava bastante bem.
Além disso, quase todos os brancos que viviam em locais isolados do interior (fazendeiros, comerciantes, etc.), onde não existissem telefones, possuíam rádios emissores-receptores, através dos quais comunicavam com o exterior sem dificuldade.
A afirmação acima transcrita quase equivale a dizer que Portugal também passou da idade dos pombos correios à idade da telefonia sem fios sem sequer ter tocado nas etapas intermédias…
As redes de comunicação deixadas pelo portugueses desapareceram quase por completo. Correios e telefones fixos só se mantiveram a funcionar, e mal, em Luanda.
Ainda hoje as linhas telefónicas fixas apresentam muitos problemas devido a manutenção deficiente.
Houve um verdadeiro retrocesso nas infra-estruturas. A minha afirmação tem de ser encarada sob este prisma.
Daí que sim, passou-se do nada para a telefonia sem fios.