Três tentativas para a Muxima
Afonso Loureiro
Antes de partir de férias, lá na Pátria, resolvi aproveitar o meu último fim-de-semana sozinho por terras angolanas.
Umas semanas antes tinha tentado atravessar o Kwanza para ir conhecer o Santuário da Muxima, que julgava ser a versão angolana do Santuário de Fátima. O trânsito caótico para Sul fez-me desistir do plano e acabei por ir conhecer a Cabala e a sua jangada.
Na minha segunda tentativa, pus em dia as operações STOP que estava a dever ao Estado Angolano. Três no mesmo dia é obra. Consegui o mais difícil, sair de todas sem pagar gasosas.
Como ainda é longe e há um longo troço de estrada de terra batida, é preciso sair bem cedo. Acordei tarde e pensei que devia encurtar o passeio até ao Parque da Quissama, para fotografar um sítio com um nome que nos atiça a curiosidade, a Baixa da perna do Jacaré!
Pus-me a caminho. Parei na Xilombo para comprar almoço. Um choco grelhado pareceu-me a escolha acertada. Levei o tupperware que lá tínhamos comprado.
Ainda antes de chegar ao Kwanza encontrei mais uma operação STOP. Não me pararam porque estavam ocupados com um camionista. Não cheguei a gozar este momento de felicidade. Meia-dúzia de quilómetros mais tarde, chegou a minha vez de mostrar os documentos. Voltei a não contribuir para o bem-estar financeiro do agente da autoridade.
Barra do Kwanza. Portagem. 210 Kz. Ponte sobre o Kwanza. Empurrado para a berma, está um velho blindado com a metralhadora enferrujada a fingir guardar a ponte. Mesmo muda, o seu olhar gélido nas nossas costas continua a impôr respeito e a deixar-nos com uma sensação desconfortável. Província do Bengo.
Cheguei cá depressa. Passo pela placa que indica o Parque da Quissama e a perna do jacaré. Consulto o GPS. Faltam cerca de 25 km para o caminho da Muxima. É só mais um quarto de hora… Sigo para Sul.
No início do estradão para a Muxima, a sexta operação STOP em dois dias. Os cones no meio da estrada e o polícia na berma não enganavam. Para virar para a Muxima tinha de passar pelo meio dos cones, o que é proibido. Pior, tinha de pisar o traço contínuo. A falta de concordância da placa que indica a Muxima com o resto da sinalização é esquisita. Tomei uma decisão. Antes de ser mandado parar, parei eu e interpelei o polícia.
«Para a Muxima pode-se virar aqui?»
«Sim, é por essa estrada mesmo.»
«Mas posso virar aqui?»
«Sim, é por aí para a Muxima!»
«Mas está aqui um traço contínuo. Posso virar?»
«Sim, pode ir!»
Passei pelo meio dos cones, pisei o contínuo e ainda tive direito a um aceno de despedida por parte do polícia.
Entrei no estradão de 120 quilómetros que liga a costa ao Santuário da Muxima.
Uma risca vermelha a perder de vista
Como já se estava a meio da tarde e a fome apertava, resolvi parar na berma da estrada e dar ao dente. O choco e a salada chamavam por mim.
Mesa Jimny
Depois de uns minutos a retemperar as forças, voltei à estrada. Está a ser recuperada por mais uma firma chinesa. Tem troços estupendos misturados com outros bastante maus. É estranho é que se esteja a reparar a estrada apenas a alguns meses das chuvas de Verão. Assim que acabarem, estraga-se.
Ao fim de um longo caminho, a Muxima parecia estar perto
À medida que me embrenhava em África, os indícios de civilização começavam a ser cada vez menores. Menos lixo, menos casas, menos carros. A vida selvagem tornou-se mais afoita, menos receosa do bicho homem. Vi rapinas, cobras e lebres. Acabei por parar para apreciar um bando de macacos.
Mais umas curvas na estrada e o Kwanza surgiu atrás de um monte. Logo a seguir veio a povoação e, no fim da praça, o Santuário.
A Igreja
Quando cheguei ao adro, as mulheres tinham acabado de varrer a Igreja. Agora estavam ocupadas a lavar o templo antes da oração da tarde. Achei por bem respeitar o culto e a limpeza e não entrei. Haverá outras oportunidades para fotografar.
Subi o morro até ao forte colonial. Até há uns anos estava quase em ruínas. Agora sofreu algumas obras de recuperação e está de cara lavada. Contrasta com outros monumentos lá para os lados de Luanda.
1655
Os velhos canhões repousam no chão, enferrujados e entupidos. Guardam um cotovelo do Kwanza que já não é alvo de Holandeses cobiçando Angola aos Portugueses. Canhões portugueses e franceses guardam um forte angolano da cobiça de navios holandeses. É bizarro.
Espreitando o Kwanza
Como não se chegou a construir apoios novos para os canhões, todos eles estão mais ou menos no sítio, dando uma ideia de como não usar um canhão.
Canhão a caminho
O maior contraste da Muxima com Luanda é mesmo o lixo. Aqui não há. Os poucos caixotes que se vêem são usados e apenas nos matos se conseguem encontrar os omnipresentes sacos de plástico.
A fortaleza está imaculada. A limpeza do templo estende-se até ao cimo do monte. Vêem-se algumas vassouras do tipo tradicional prontas a ser usadas. Não há latas nem embalagens à vista. Nalgumas guaritas há velas acesas. Algumas estão assentes sobre notas de Kwanza. Pequenas, claro.
Em todo o lado há uma vassoura
O forte está numa posição estratégica. Um cotovelo apertado do rio parece ser o local ideal para se colocar alguns canhões e impedir que gente mal-intencionada suba o rio.
O grande Kwanza
Com o Sol a descer no horizonte e ainda muitas horas de viagem pela frente, fui dar uma última vista de olhos à Igreja. Há alguns pormenores interessantes. À semelhança do que acontece em Ganda, o templo é o edifício mais bem conservado da povoação.
Os arcos nos contra-fortes
Por ser já tarde, pus de parte a ideia de voltar pela Cabala. A jangada que permite fazer a travessia do rio Kwanza só funciona até às 15h30 e já eram quase 18h. O percurso é bonito, por isso não há problema. Mesmo assim, o caminho de volta, com a mesma extensão que o de ida, pareceu-me bem mais curto. Ver entardecer numa paisagem quase despovoada é algo de poético.
Um pouco depois de sair da Muxima, dei boleia a um homem. Queria ir até ao bairro seguinte, onde morava. Quinze minutos depois, desceu. Tinham sido onze quilómetros. A pé, teria demorado perto de três horas e chegado a casa já com toda a aldeia a dormir.
O resto do caminho fi-lo por entre embondeiros e pares de pequenos olhos que brilhavam à passagem dos faróis. Senti-me em África. Pelo menos até avistar Luanda.
Guarda-de-honra com embondeiros
À terceira foi de vez. O santuário da Muxima, não tendo a dimensão dos nossos, é comovente pela sua singeleza e pelo carinho com que é mantido, parecendo um pequeno oásis no deserto. A estrada cor de fogo que rasga o horizonte, escoltada por fiéis embondeiros, convida à viagem.
Bons passeios.
Depois de algumas tentativas valeu a pena. As fotografias retratam um sitio bem diferente do que temos visto,as vistas para o Kwuamza são bem bonitas sem lixo por perto.
Foi bom conhecer mais um cantinho…
A estrada via Catete está optima. O percurso está todo asfaltado e existe uma nova ponte para atravessar o rio.
Esta melhor agora
Abraços
adorei e tenho mta saudade.vivi 30anos em africa.conheço mto bem esta muxima.agoa aki na Europa velha caduca e falida vamos vivendo (com frio crise e nao so…..).deu pra matar SAUDADE.Parabens.TB sou eng.(kimica)
Agradeço, emocionado, a descrição. Vivi pelos lados da Muxima entre 1949 e 1957, com visitas após esta data.
Bem haja!
Cumprimentos
Agostinho Rodrigues