Olhando o céu
Afonso Loureiro
Lembro-me que, quando era pequeno, costumava maravilhar-me com o céu. Era a magia de correr a olhar a Lua e ver que ela estava sempre no mesmo sítio, a mirar-me.
As noites tinham céus escuros, cheios de pintas brancas. Aprendi a reconhecer algumas constelações. Esqueci-me delas e voltei a ser ensinado.
Depois melhoraram a iluminação do bairro. As ruas iluminadas por poucas lâmpadas fracas passaram a ser tão claras como o dia. O céu passou a ser uma massa amorfa e alaranjada. As estrelas foram-se e só a Lua persistia em vencer esta nova “escuridão”.
À medida que crescia, passava a ter cada vez menos tempo para observar o céu. Olhava para o chão, para onde punha os pés, para o degrau do combóio, para a rampa da escola, para a secretária.
Esqueci-me de como era olhar o céu. Esqueci-me das vezes em que me levantei de madrugada, só para poder ter o prazer de ver nascer o Sol. Esqueci-me da vez em que vi a Lua cheia esconder-se atrás do horizonte, por entre as oliveiras, com o Sol a despontar a Oriente.
Quando saía da cidade, já nem me lembrava de olhar para o céu. Todas as estrelas que se escondem atrás da névoa luminosa das cidades me sorriam, mas eu não dava por elas. Uma ou outra vez, por acaso, reparava nelas e ficava abismado. Eram tantas, que não as conseguia contemplar. Um céu estrelado no interior causa vertigens.
De vez em quando apercebia-me de que já não sabia o que era olhar o céu, tentar perceber os seus mistérios ou, simplesmente, deixar-me ser apenas um espectador do maior espectáculo do mundo.
A rotina atacava outra vez e o céu era esquecido. Talvez um pouco como quem deixa de ler. Não lê hoje, amanhã também não e depois dá por si sem ter lido um livro num montão de tempo.
Lutei contra este marasmo celestial. Aprendi a reconhecer outras constelações, relembrei as lendas que lhes deram o nome. Procurei estrelas conhecidas por todo o lado. Haverá algo melhor do que, numa noite de Verão, contar histórias de estrelas, deitados no asfalto quente de uma qualquer estrada secundária?
Entardecer
Em Luanda já olhei para o céu. Também é baço. Ou é o cacimbo ou as luzes que nunca se apagam. Afastei-me da cidade, mas as constelações setentrionais ainda são misteriosas. Aos poucos, o céu voltou a ficar esquecido.
Mas um dia, voltando da Barra do D ande, olhei, distraidamente, para o céu. Algo me prendeu a atenção. Algo de visceral, que despertou memórias de infância há muito adormecidas. Olhava para o céu e para as nuvens que ganhavam as cores quentes do final do dia. Apercebi-me de que estava a jogar o jogo mais antigo de todos, tentar adivinhar a forma que a nuvem sugeria.
Primeiro era apenas uma nuvem, mas depois contorceu-se e esticou-se em direcções improváveis.
Sorri. Tinha adivinhado a mímica nebulosa!
Era um cãozinho!
Ainda bem que era um cãozinho porque eu vejo tudo menos um cão.
Já gostava de olhar para o céu à noite e ver as estrelas e a lua mas depois a aprendi a descobrir outras coisa… e foi muit bom.
O cãozinho é o nosso Roni, que há muito tempo foi ver as estrelas e se perdeu no espaço. Reapareceu num céu africano para que o dono captasse um instante de muitas lembranças.
O que pode acontecer quando olhamos o céu…
Muitos céus estrelados.