A revolta dos embondeiros
Afonso Loureiro
Que os embondeiros são umas árvores cheias de personalidade, ninguém põe em causa. O que não se esperava deles era uma coisa destas.
Reparei nisso no regresso a Luanda, quando eles seguiam em sentido contrário, apressados e com cara de caso.
Corre-corre
Habitualmente têm só aquele ar sonhador e paciente. Cruzam-se connosco e quase juramos que nos dão uma chapelada à antiga, segurando a aba do chapéu verde de Verão com aqueles dedos longos parecidos com ramos.
Parei e perguntei a um arbusto que passava o que havia com os mais-velhos vegetais. Não sabia ao certo. Desde manhãzinha que pareciam inquietos. Não paravam de falar, mas não contavam histórias aos mais novos. Era diferente. Quase gritavam, pelo menos a julgar pelo vento que faziam.
Continuei a viagem e fui espreitando os gigantes cinzentos. As suas formas estavam a mudar lentamente, como que sofrendo uma metamorfose. Dos seus ventres brotavam membros novos, de aspecto agressivo.
Metamorfose
Apesar de arriscado, resolvi barrar o caminho a um. Estava curioso. Onde iria ele com tanta pressa? Tentei meter conversa, mas quase fui mordido e tive de fugir. Nunca pensei que existissem embondeiros carnívoros!
Sai-me da frente! Olha que te mordo.
Um outro, que já estava cansado de tanto correr, parou para descansar as raízes. Aproveitei para lhe perguntar o que se passava. Pareceu-me menos irado, mas igualmente com cara de caso. A princípio tive alguma dificuldade em percebê-lo. A linguagem das árvores exige muita concentração e, com tanto rebuliço e o sotaque carregado do embondeiro, a tarefa mostrou-se complicada.
Descansando as raízes
Os embondeiros tinham iniciado uma revolta! Estavam fartos da prepotência humana. Abatem-se árvores por tudo e por nada e já não se escuta os mais-velhos. África não pode continuar assim. Plantem-se árvores! Os embondeiros dirigiam-se para o interior, onde não havia homens. Fundariam o seu país vegetal.
Farto do Homem
Mas depois veio um pôr-do-Sol de estampa, daqueles que nos deixa de boca aberta, e os embondeiros pararam de correr. Todos, eu e eles, ficámos a ver o Sol pintar o céu de laranja. Foi nessa altura que se aperceberam que o sítio onde mais querem estar é a terra que os viu nascer e abandonaram a ideia da revolta.
Mas ainda fizeram estragos
Os mais velhos dos mais-velhos fizeram soar a sua voz gasta e contaram histórias acerca de outras tentativas de revolta, lá no tempo em que tinham sido novos. Alucinações da velhice pois, como diz o provérbio, não há embondeiros novos…
Todos os dias se abatem estes gigantes. Ninguém os planta. Um dia acabam-se, sem que se dê por isso. África inteira, não só Angola, tem de olhar pelas suas florestas.
O que vale é que amanhã é um novo ano e isto passa-me!
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