Do outro lado
Afonso Loureiro
Durante anos me interroguei acerca da origem de alguns nomes com que cresci. Tinham sonoridades estranhas e significados desconhecidos.
Percebo hoje que as referências a África, sobretudo a Angola, estão um pouco por toda a parte. Não sei se a saudade angolana é maior que a moçambicana ou guineense, mas o certo é que Angola está presente nos sonhos de muitos portugueses. A Angola colonial, isto é.
Na Avenida de Roma, em Lisboa
Perto da casa onde cresci existiu um restaurante chamado Kalunga. Contaram-me ter sido aberto por retornados. Infelizmente acabou por fechar. As crises que se seguiram ao fim da era colonial não deixavam muitos clientes aos restaurantes. Sei agora que vieram de Angola e que o nome da casa era poético. Kalunga é a deusa do Mar. Terá sido ela quem protegeu as frágeis caravelas em costas africanas? o Mar, aquele que as caravelas percorreram.
(Nota: Fui devidamente corrigido pelo comentário deixado por Denudado e pelo seu excelente artigo n’A Matéria do Tempo)
Na praça onde se cruzam as Avenidas de Roma e dos Estados Unidos da América erguem-se os edifícios que simbolizam a arquitectura portuguesa em África. Olhar para eles e não pensar em terras distantes é impossível. No rés-do-chão de um há uma pastelaria famosa. Chama-se Luanda. Em Luanda há uma pastelaria chamada Lisboa…
Quando era pequeno, uma loja de móveis tinha um nome complicado. Não o conseguia pronunciar devidamente e tampouco perceber o seu significado. Ainda hoje lá está o letreiro, marcando o regresso de alguém à metrópole.
Tanta confusão me fez este nome
Os móveis Huíla poderiam parecer apenas um acaso, uma maneira de perpetuar a memória da terra deixada, mas afinal há mais exemplos. Em Lisboa encontramos uma loja de automóveis cujo nome também simboliza essa saudade.
Espero que não venda carros importados de Angola
Alguns negócios correram mal, como é o caso do Kalunga, mas outros singraram e ainda hoje se podem ver os letreiros alusivos a esta terra.
Na Agualva
Não é só a toponímia angolana que é homenageada, às vezes são as coisas mais pequenas que marcaram quem veio, por vezes com o desejo de regressar.
Não há cajueiros em Portugal
Após alguns meses de Angola, começo a perceber o que motivou os angolanos e portugueses a perpetuar a memória da terra que os viu partir.
Apercebo-me que a eterna Saudade, aquela que é impossível explicar a quem não é Português, está viva e de boa saúde. Não é só nos poemas de Fernando Pessoa e no Fado que se mostra, é também em coisas tão inocentes como o nome que se dá ao negócio que servirá de alicerce ao futuro.
Que eu saiba, apenas um avô meu esteve em Angola, cumprindo o serviço militar durante a longínqua Grande Guerra. Morreu muito antes de eu nascer e não me deixou memórias para além de alguns factos isolados contados em terceira mão. Mais nenhum familiar meu esteve em terras africanas; no entanto, também eu sinto essa Saudade de Angola. É inexplicável, mas agora percebo os retornados.
ui ui o bicho de angola ja te infectou !!!!!! e contra isso nao ha antibioticos ou bebeste agua do bengo ????
saudaçoes e bom ano a ver quando vais a minha banda la pros lados do bailundo fico a espera de um grande post olalipo .. caté
Caro Afonso Loureiro,
Antes de mais nada o meus parabéns pelo seu excelente blogue, que visito sempre com muito gosto.
Se me permite, tenho um pequeno anotamento a fazer a respeito desta sua afirmação: “Kalunga é a deusa do Mar.”
Não estará o Afonso Loureiro a confundir Kalunga com a Kianda? Esta, sim, é que é a “deusa” do mar (escrevo “deusa” entre aspas, porque nas religiões tradicionais angolanas só há um Deus; tudo o resto é espíritos e seres mitológicos). Em quimbundo, Kalunga significa Mar. Em unbumdo e outra línguas significa Deus.
Para não me estender mais sobre este assunto aqui, num simples comentário, permito-me convidá-lo a visitar a seguinte página do meu blogue: http://amateriadotempo.blogspot.com/2006/03/kianda.html
Quanto à grande profusão de referências a Angola que os retornados espalharam por Portugal quando para cá vieram, ela é de facto curiosa. É tão curiosa, pelo menos, como o muito reduzido número de referências a Moçambique, apesar de também terem vindo muitos retornados deste outro país. Porque será?
Um abraço
P.S. – Não sou retornado.
Desde que partiste também sinto que Angola está presente em todo o lado.
Tenho lido todos os seus “Aeros”. Só tenho uma palavra para os defenir : Excepcionais ! Permita-me a liberdade de dizer que ainda mais do que alma de engenheiro tem alma de Escritor. Todas estas histórias e referências dariam um excelente livro. De realçar a imparcialidade com que descreve as situações e os diversos intervenientes !
Já estive em Angola, como civil e como militar.
Como diz, a saudade está sempre presente.
Embora não o conheça, envio um Abraço.
Carlos Leite