Massangano
Afonso Loureiro
Na estrada para o Dondo, quase a chegar à terra onde se faz a cerveja Eka e no cimo de uma lomba, começa uma pequena estrada com um aspecto diferente das demais. Não é de terra batida, pelo que indica ir dar a algum lugar de maior relevância, mas também não vê conservação há décadas, o que poderá significar a perda de importância do sítio, ou falta de interesse de quem decide quais as estradas que se reparam.
O seu destino é um mistério. As tabuletas já desapareceram há muito e a estrada anónima não promete grande coisa. No entanto, deve conduzir a um local mágico. Não é em todos os sítios que encontramos uma povoação com bandeiras da UNITA e MPLA frente-a-frente, a escassos metros uma da outra. O habitual é ver uma aldeia com uma das bandeiras e a aldeia seguinte com outra.
UNITA e MPLA, lado-a-lado
Não fosse andar à procura deste acesso ao Kwanza em mapas e fotografias de satélite, nunca adivinharia que esta é a estrada que liga a Massangano.
Ruínas do Tribunal de Massangano
Em boa hora me aventurei. Massangano é uma verdadeira pérola. Uma pequena povoação com cubatas de adobe e capim esconde-se no meio das palmeiras de um vale abrigado. No terreno mais alto erguem-se as ruínas da Câmara Municipal, do Tribunal e do Forte. Mais longe, ao lado do novo Hospital, que não passa de um pequeno posto médico, fica uma igreja imponente.
Forte de Massangano
Massangano foi uma terra importante. As ruínas dos seus edifícios mais importantes atestam-no. Mas o que define a importância de uma povoação é a sua força económica. Massangano está longe da estrada que liga a Malanje, Huambo, N’dalatando e Dondo. Encarrapitada num monte, o acesso ao Kwanza é difícil, especialmente para as mercadorias. A cidade mais próxima, o Dondo, que se atravessa na estrada principal, com o sua praia no Kwanza e o caminho-de-ferro, roubou, naturalmente, a importância a esta terra.
Sombra centenária
Hoje em dia tem um novo posto administrativo, uma esquadra da polícia, um hospital e mais um par de edifícios com aspecto oficial, entre os quais, um comité do MPLA, como não poderia deixar de ser.
A sombra do velho forte é o local de encontro das crianças da terra. Lá têm o seu mundo de faz-de-conta muito a sério. Nos dias em que não há escola, juntam-se todos para brincar. Mas, pelos conhecimentos que demonstram na leitura e escrita, os dias de escola também devem ser lá passados.
Brincando às mulheres crescidas
Eles jogam à bola ou correm atrás uns dos outros, atirando pedras aos que ficam para trás. Mesmo quando acertam no alvo não se ouvem choros, apenas uma risada alta e solta. O alvejado também ri, embora com menos convicção.
Elas, sabedoras do que lhes reserva o futuro, brincam às cozinhas, repetindo o que as suas mães e avós sempre fizeram à sua frente. Descem ao rio e pescam um peixe. Trazem-no para o forte, onde o amanham e cortam aos pedaços. As mais novas já trataram de fazer lume entre três pedras e de encontrar uma panela ou uma lata que cumpra a mesma função.
Cacusso das meninas
Alguns meninos, mais pacientes e engenhosos, transformaram latas de leite em pó e concentrado de tomate em verdadeiros bólides de duas e quatro rodas. E conseguiram algo que a indústria automóvel anseia há anos, máquinas não poluentes e económicas. Estas, afinal de contas, não deitam fumo e funcionam com um simples cordel.
Motociclista com os calções ao contrário
As vantagens destas máquinas não se ficam por aqui. As avarias são raras e, mesmo quando acontecem, não impedem a viagem de modo algum. Um puxão mais vigoroso no cordel resolve atascanços, ultrapassa buracos e pedregulhos inoportunos. E, se o veículo carecer de reparação, as únicas ferramentas necessárias são uma faca e uma pedra.
Circula sem luzes, como muitos em Luanda
Melhor ainda, é que a polícia fecha os olhos a estes condutores sem carta e com carros desprovidos de matrícula, inspecções ou selos de imposto. Estou para ouvir a história do menino que foi multado enquanto rebocava o seu Rav4 na ponta do cordel.
Dizem os mais pessimistas que estas máquinas têm defeitos. Eu cá não vejo nenhum.
Repouso
Numa das pontas da povoação, ergue-se a igreja, dedicada a Nossa Senhora da Vitória, a Mamã Vitória. Tem dimensões semelhantes à da Muxima, mas está em muito mau estado de conservação. Foi recuperada há alguns anos, mas depois voltou a ser esquecida.
Nossa Senhora da Vitória
As árvores começaram a crescer no telhado e nos contrafortes, desfazendo paredes e empurrando telhas. Os morcegos e as cabras invadem o templo fora das horas de culto, uns pelas janelas abertas, outros pelas portas que não fecham.
Já viu melhores dias
À entrada, pela porta lateral, cruzamos a campa de um padre. Morreu no séc. XVIII, na altura em que Massangano vivia os seus tempos áureos.
Lá dentro, o cheiro a humidade e guano aperta-nos a garganta e faz-nos lacrimejar. Alguns bancos corridos, muito gastos, alinham-se num chão de tijoleira escura, com aspecto antigo. De frente para o altar, no fundo da nave, está o coro, carcomido pelo caruncho e pela chuva. O dia em que cairá já esteve mais longe.
Cinco esculturas adornam a igreja. Quatro, mais pequenas, habitam os nichos laterais. Santo António de Lisboa, duas Nossas Senhoras, uma das quais de Fátima e um santo que não identifiquei. A estátua já estava incompleta e faltavam-lhe os símbolos que o distinguiam dos restantes santos barbudos. Ao centro, sobre o altar, a Nossa Senhora da Vitória tentava abrigar-se da chuva e do Sol a que está exposta. Alguns panos coloridos decoram o templo, numa simplicidade que contrasta com o tamanho do edifício.
Cá fora, as crianças brincam
Voltamos ao exterior, não vá uma telha cair-nos na cabeça. As crianças que nos acompanharam desde o Forte correm descalças sobre as pedras aguçadas e fazem-nos inveja por poderem viver num mundo sem preocupações.
Mas os mistérios de Massangano não se esgotam só nas suas crianças e marcas do passado. Há tantas coisas, grandes e pequenas, para ver. Basta estar atento…
Jogando à bola
olá Afonso,
vim parar ao seu blog já nem sei como, mas sigo-o atentamente desde então, porque o acho interessante.
em relação à postagem, só tenho a agradecer por mostrar o meu País através de fotos tão bonitas. Muito bonitas as fotografias de Massangano.
Continue e até já
Aportei ao seu blog pelo nome: AEROGRAMA despertou-me boas recordações. Também as suas fotografias de Massangano me transportaram a 1972. Foi então que visitei e não mais esqueci aquelas ruínas. Bonitas ruínas. Obrigado e continue!
Anda ali uma criança no meio que é um bocado diferente…
Gostei do que vi e do que li. Tomo a libardade de colocar uma foto do seu blog, o que vai funcionar como link.
É tempo dos Mwangolés pensarem que a história, má ou boa é sempre um legado. Tomem o exemplo do Brasil que tem muito para dar e fáz do passado uma bandeira ao conhecimento. Foi daqui que saíu a avó de Zumbi, a mãe de Ganga-Zumba e tantos escravos que não podem ficar num esquecimento perene. A estrada de accesso, devia ser reparada como tambem criar ali um sítio de Consiência Negra, seus atropelos e angústias dos N´Golas.
O Soba T´Chingange ( no Puto)
Eu sou bescuteira fui a massangano no sábado 28-11-09 e um lugar lindo.
Goatei do teu trabalho e apresentação
Ruinas pertencem a um passado que não deu certo, olhe para o futuro, pense em obras utilitárias para amanhã, estamos no periodo do “depósito para luz, fio invisivel, viagem só de ida para marte (colonização), agua em pó, e outras tantas coisas novas para melhorar a vida do ser humano, porque não tirarmos esses do estado em que se encontram para um mundo novo, assim como Colombo, Americo Vespucio e Cabral? Eles merecm e podem partilhar do nosso mundo novo, e não se prestarem para curiosidade turistica ou sensibilização das elites do primeiro mundo em NY ou Tóqui, Paris, Londres, Berlim ou Estocolmo…