Aerograma

Isento de Porte e de Sobretaxa Aérea

24  01 2009

Massangano

Na estrada para o Dondo, quase a chegar à terra onde se faz a cerveja Eka e no cimo de uma lomba, começa uma pequena estrada com um aspecto diferente das demais. Não é de terra batida, pelo que indica ir dar a algum lugar de maior relevância, mas também não vê conservação há décadas, o que poderá significar a perda de importância do sítio, ou falta de interesse de quem decide quais as estradas que se reparam.

O seu destino é um mistério. As tabuletas já desapareceram há muito e a estrada anónima não promete grande coisa. No entanto, deve conduzir a um local mágico. Não é em todos os sítios que encontramos uma povoação com bandeiras da UNITA e MPLA frente-a-frente, a escassos metros uma da outra. O habitual é ver uma aldeia com uma das bandeiras e a aldeia seguinte com outra.

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UNITA e MPLA, lado-a-lado

Não fosse andar à procura deste acesso ao Kwanza em mapas e fotografias de satélite, nunca adivinharia que esta é a estrada que liga a Massangano.

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Ruínas do Tribunal de Massangano

Em boa hora me aventurei. Massangano é uma verdadeira pérola. Uma pequena povoação com cubatas de adobe e capim esconde-se no meio das palmeiras de um vale abrigado. No terreno mais alto erguem-se as ruínas da Câmara Municipal, do Tribunal e do Forte. Mais longe, ao lado do novo Hospital, que não passa de um pequeno posto médico, fica uma igreja imponente.

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Forte de Massangano

Massangano foi uma terra importante. As ruínas dos seus edifícios mais importantes atestam-no. Mas o que define a importância de uma povoação é a sua força económica. Massangano está longe da estrada que liga a Malanje, Huambo, N’dalatando e Dondo. Encarrapitada num monte, o acesso ao Kwanza é difícil, especialmente para as mercadorias. A cidade mais próxima, o Dondo, que se atravessa na estrada principal, com o sua praia no Kwanza e o caminho-de-ferro, roubou, naturalmente, a importância a esta terra.

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Sombra centenária

Hoje em dia tem um novo posto administrativo, uma esquadra da polícia, um hospital e mais um par de edifícios com aspecto oficial, entre os quais, um comité do MPLA, como não poderia deixar de ser.

A sombra do velho forte é o local de encontro das crianças da terra. Lá têm o seu mundo de faz-de-conta muito a sério. Nos dias em que não há escola, juntam-se todos para brincar. Mas, pelos conhecimentos que demonstram na leitura e escrita, os dias de escola também devem ser lá passados.

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Brincando às mulheres crescidas

Eles jogam à bola ou correm atrás uns dos outros, atirando pedras aos que ficam para trás. Mesmo quando acertam no alvo não se ouvem choros, apenas uma risada alta e solta. O alvejado também ri, embora com menos convicção.

Elas, sabedoras do que lhes reserva o futuro, brincam às cozinhas, repetindo o que as suas mães e avós sempre fizeram à sua frente. Descem ao rio e pescam um peixe. Trazem-no para o forte, onde o amanham e cortam aos pedaços. As mais novas já trataram de fazer lume entre três pedras e de encontrar uma panela ou uma lata que cumpra a mesma função.

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Cacusso das meninas

Alguns meninos, mais pacientes e engenhosos, transformaram latas de leite em pó e concentrado de tomate em verdadeiros bólides de duas e quatro rodas. E conseguiram algo que a indústria automóvel anseia há anos, máquinas não poluentes e económicas. Estas, afinal de contas, não deitam fumo e funcionam com um simples cordel.

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Motociclista com os calções ao contrário

As vantagens destas máquinas não se ficam por aqui. As avarias são raras e, mesmo quando acontecem, não impedem a viagem de modo algum. Um puxão mais vigoroso no cordel resolve atascanços, ultrapassa buracos e pedregulhos inoportunos. E, se o veículo carecer de reparação, as únicas ferramentas necessárias são uma faca e uma pedra.

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Circula sem luzes, como muitos em Luanda

Melhor ainda, é que a polícia fecha os olhos a estes condutores sem carta e com carros desprovidos de matrícula, inspecções ou selos de imposto. Estou para ouvir a história do menino que foi multado enquanto rebocava o seu Rav4 na ponta do cordel.

Dizem os mais pessimistas que estas máquinas têm defeitos. Eu cá não vejo nenhum.

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Repouso

Numa das pontas da povoação, ergue-se a igreja, dedicada a Nossa Senhora da Vitória, a Mamã Vitória. Tem dimensões semelhantes à da Muxima, mas está em muito mau estado de conservação. Foi recuperada há alguns anos, mas depois voltou a ser esquecida.

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Nossa Senhora da Vitória

As árvores começaram a crescer no telhado e nos contrafortes, desfazendo paredes e empurrando telhas. Os morcegos e as cabras invadem o templo fora das horas de culto, uns pelas janelas abertas, outros pelas portas que não fecham.

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Já viu melhores dias

À entrada, pela porta lateral, cruzamos a campa de um padre. Morreu no séc. XVIII, na altura em que Massangano vivia os seus tempos áureos.

Lá dentro, o cheiro a humidade e guano aperta-nos a garganta e faz-nos lacrimejar. Alguns bancos corridos, muito gastos, alinham-se num chão de tijoleira escura, com aspecto antigo. De frente para o altar, no fundo da nave, está o coro, carcomido pelo caruncho e pela chuva. O dia em que cairá já esteve mais longe.

Cinco esculturas adornam a igreja. Quatro, mais pequenas, habitam os nichos laterais. Santo António de Lisboa, duas Nossas Senhoras, uma das quais de Fátima e um santo que não identifiquei. A estátua já estava incompleta e faltavam-lhe os símbolos que o distinguiam dos restantes santos barbudos. Ao centro, sobre o altar, a Nossa Senhora da Vitória tentava abrigar-se da chuva e do Sol a que está exposta. Alguns panos coloridos decoram o templo, numa simplicidade que contrasta com o tamanho do edifício.

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Cá fora, as crianças brincam

Voltamos ao exterior, não vá uma telha cair-nos na cabeça. As crianças que nos acompanharam desde o Forte correm descalças sobre as pedras aguçadas e fazem-nos inveja por poderem viver num mundo sem preocupações.

Mas os mistérios de Massangano não se esgotam só nas suas crianças e marcas do passado. Há tantas coisas, grandes e pequenas, para ver. Basta estar atento…

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Jogando à bola

Acerca do autor

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Nascido no século passado com alma de engenheiro, partiu para Angola, de onde envia pequenos aerogramas.

6 respostas a “Massangano”

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  1. olá Afonso,
    vim parar ao seu blog já nem sei como, mas sigo-o atentamente desde então, porque o acho interessante.

    em relação à postagem, só tenho a agradecer por mostrar o meu País através de fotos tão bonitas. Muito bonitas as fotografias de Massangano.

    Continue e até já

  2. Aportei ao seu blog pelo nome: AEROGRAMA despertou-me boas recordações. Também as suas fotografias de Massangano me transportaram a 1972. Foi então que visitei e não mais esqueci aquelas ruínas. Bonitas ruínas. Obrigado e continue!

  3. Anda ali uma criança no meio que é um bocado diferente…

  4. Gostei do que vi e do que li. Tomo a libardade de colocar uma foto do seu blog, o que vai funcionar como link.
    É tempo dos Mwangolés pensarem que a história, má ou boa é sempre um legado. Tomem o exemplo do Brasil que tem muito para dar e fáz do passado uma bandeira ao conhecimento. Foi daqui que saíu a avó de Zumbi, a mãe de Ganga-Zumba e tantos escravos que não podem ficar num esquecimento perene. A estrada de accesso, devia ser reparada como tambem criar ali um sítio de Consiência Negra, seus atropelos e angústias dos N´Golas.
    O Soba T´Chingange ( no Puto)

  5. Eu sou bescuteira fui a massangano no sábado 28-11-09 e um lugar lindo.

    Goatei do teu trabalho e apresentação

  6. Ruinas pertencem a um passado que não deu certo, olhe para o futuro, pense em obras utilitárias para amanhã, estamos no periodo do “depósito para luz, fio invisivel, viagem só de ida para marte (colonização), agua em pó, e outras tantas coisas novas para melhorar a vida do ser humano, porque não tirarmos esses do estado em que se encontram para um mundo novo, assim como Colombo, Americo Vespucio e Cabral? Eles merecm e podem partilhar do nosso mundo novo, e não se prestarem para curiosidade turistica ou sensibilização das elites do primeiro mundo em NY ou Tóqui, Paris, Londres, Berlim ou Estocolmo…

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