Aerograma

Isento de Porte e de Sobretaxa Aérea

16  02 2009

Zé Dú, o salvador de Portugal

Durante a Idade Média, o empréstimo de dinheiro com juros era considerado um pecado capital. Como não é um ser vivo, era contra-natura que se multiplicasse. Para o devedor, caso fosse gente importante, dava um jeitaço invocar este pequeno pormenor. Num instante, a dívida e o credor desapareciam.

Essas preocupações foram esquecidas em tempos mais recentes. A teoria de que o mercado se regula a si próprio acabou por dar origem a instrumentos financeiros tão rebuscados, assentes em mecanismos obscuros, que minaram o sistema financeiro mundial de tal maneira que hoje ninguém sabe para onde se virar.

Lucros obscenos sobre dinheiro que nunca existiu fora das imaginações dos especuladores, associados à ganância de cada gestor de conta e corretor de bolsa em apresentar resultados e receber comissões, levaram a que se baixasse as guardas e o bom-senso foi pelo cano abaixo.

De um dia para o outro, pedacinhos de coisa nenhuma deixaram de valer os milhões que se dizia valerem e voltaram ao seu preço justo, isto é, nada. Países inteiros, como a Islândia, faliram. Bancos, seguradoras e firmas de investimentos precisaram de injecções de capital medonhas, oriundas dos impostos que todos pagamos, tudo para que os depósitos não desaparecessem subitamente.

Por definição, os bancos são todos insolventes. Gastam mais dinheiro do que têm, mas fingem que são capazes de honrar os seus compromissos mostrando não o dinheiro que lá depositámos, mas sim o que acabou de ser depositado por outro crente. Esperam sempre que não haja mais de duas pessoas a levantar as economias.

Os bancos portugueses, tão ingénuos como os demais, talvez até mais, por serem pequeninos e gostarem de seguir as pisadas dos grandes, caíram nas mesmas asneiras. O Estado teve de apagar alguns fogos, à custa de subsídios e benesses. Para quem paga impostos, pode parecer injusto que sejam premiados pelos seus erros, mas a verdade é que já estamos tão dependentes do sistema bancário para nos esconder o dinheiro, que não nos podemos arriscar a ter repetições das falências de bancos na Argentina, no final do século passado.

Angola diz que escapou imune a esta crise. Tenho as minhas dúvidas. O rombo deve ter sido grande, mas há muitos negócios onde se pode encontrar as verbas necessárias para disfarçar as perdas. Até mesmo a subida continuada do preço do petróleo acabou por ajudar a mascarar as coisas.

O certo é que Angola, com a sua taxa de crescimento económico altíssima e a constante entrada de fundos derivados da venda de matérias-primas à China e às várias petrolíferas que cá operam, tem liquidez para fazer bons negócios em tempos de recessão.

A compra de grandes fatias do capital de bancos e empresas portuguesas tem feito a manchete de muitos jornais. Há quem fique chocado. Eu não. Era esperado. Na sua maioria, eram já entidades que tinham laços estreitos com Angola.

Antes da Revolução dos Cravos já se começava a perceber que o centro de empreendedorismo e motor económico de Portugal estava no continente africano. As ideias mais inovadoras começavam cá e só depois chegavam à Metrópole. Por essa altura pensou-se em transferir a capital do Império para uma Nova Lisboa, mesmo no centro de Angola. O projecto morreu, asfixiado pelas forças conservadoras. Hoje, quase quatro décadas depois, as previsões confirmaram-se. A capital económica é Luanda.

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Os borra-paredes já mudaram os slogans

Acerca do autor

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Nascido no século passado com alma de engenheiro, partiu para Angola, de onde envia pequenos aerogramas.

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