A memória da Mutamba
Afonso Loureiro
Quando se estabelece uma nova povoação, a sua localização e organização são condicionadas pelo meio. A orografia, ventos dominantes, solos, cursos de água, pântanos e florestas determinam onde se construirão as primeiras casas ou como será o traçado das primeiras ruas. A expansão urbana implica que se atribuam nomes aos novos bairros. Quase todos são escolhidos em função de pontos de interesse locais, nomes antigos das zonas agora ocupadas ou de habitantes conhecidos.
Luanda é uma cidade com vários séculos de história. Herdou o seu nome da população que habitava a região e, à medida que cresceu, foi ganhando divisões de fronteiras mais ou menos difusas. Para além das divisões administrativas actuais, com limites bem definidos, há as divisões populares que todos sabem a que zona se referem mas ninguém consegue precisar exactamente onde mudam de nome. Tudo depende um pouco da escala. Para quem vem de longe basta dizer que se mora em Luanda, para os de cá é necessário precisar se é na cidade baixa, se no Sambizanga, se na ilha. E, para os vizinhos, é necessário especificar se moram na Mutamba, no Baleizão ou no Kinaxixi.
No antigo Largo Serpa Pinto, actual Largo Amílcar Cabral
Estes nomes são uma verdadeira memória viva da cidade, pois perduram muito para além da razão que os instituiu. Ao fim de muitos anos, todos sabem onde fica a Avenida dos Combatentes ou a António Barroso, mas talvez desconheçam os nomes oficiais actuais. Em certos lugares, há lojas que se identificam com a toponímia antiga, que todos conhecem. A memória da cidade ditará que o nome perdure mas as suas origens serão esquecidas. A Mutamba é um desses exemplos.
Todos sabem onde fica a Mutamba. Grande parte das pessoas identifica a zona com a praça entre os Ministérios das Finanças e Obras Públicas e o Governo Provincial de Luanda. Durante o tempo colonial foi o Largo Almirante Baptista de Andrade, antigo Governador de Angola. Actualmente não há placas toponímicas que a identifiquem e ficamos com a impressão que herda o nome das ruas que a cruzam.
A cerca de um quarteirão ficava a Travessa da Mutamba, reclamada por um projecto imobiliário de aço e vidro, que se chamará Muxima Plaza, amordaçando para sempre o nome da antiga rua. Era a última memória da Mutamba. Desde que desapareceu, ninguém pode explicar exactamente porque se chama Mutamba à zona.
Acontece que me cruzei com uma verdadeira preciosidade. Um roteiro de Luanda de 1954. Está bastante danificado, com manchas e rasgões em quase todas as páginas que sobraram, mas não deixa de ser um magnífico documento. Na biblioteca municipal perguntei se tinham alguma cópia em melhor estado, mas a única existente estava requisitada por um dos organismos de planeamento da província, sem previsão de devolução.
Preciosidade
Por ter assistido aos últimos dias da Travessa da Mutamba e à perda de parte da memória da cidade, a minha curiosidade levou-me a procurar esta rua no roteiro. Tive sorte. A página ainda existia. Fiquei a saber um pouco mais da História da cidade e a razão do nome da rua. Aparentemente, houve aqui um tamarindeiro suficientemente conhecido para dar o nome à zona.
Memória de Luanda
As questões da toponímia podem parecer arbitrárias e até mesmo tratadas como tal, mas contam histórias muito mais interessantes do que possamos julgar.
Já há algum tempo que faço questão de, diariamente, ler as suas notas. Devo dizer que o faço com muito agrado e identifico-me com muitas das situações descritas e muito bem observadas por si.
Mas a razão pela qual saí da leitura silenciosa para a interventiva foi a fotografia que postou e que no canto esquerdo apanhou o edificio, onde no já longinquo ano de 1952, o meu Pai e dois irmãos deram início á concretização dos seus sonhos. Ali se expandiram e posso afirmar que com muito trabalho,sacrifício e orientação deram corpo aos seus intentos.
Conheci a Mutamba dessa época onde ia tomar o «machimbombo»
para o Colégio das Madres e onde o muito conhecido Padre Júlio dava «santinhos» a quem os queria receber. Tenho a ansia de encontrar fotografias que correspondam á ideia que tenho na minha memória do Largo nesse tempo, mas, na verdade ainda não encontrei.
Possuo um Roteiro toponímico das Ruas de Luanda, 6ªEdição, de 1974. Já o considerava uma preciosidade….mas esse de 1954 será uma preciosidade ainda maior, se assim se pode dizer…
Fiquei a saber o nome completo e os seus cargos do «patrono» da Rua onde vivi desde essa época, pois, o roteiro que tenho não especifica. Apenas tem o nome pela qual é conhecida e os limites da rua.
Actualmente o seu nome é Pedro Félix Machado…
Com já disse gosto muito de ler o seu espaço, dou-lhe os parabéns e incentivo para que continue.Os temas e o modo como os aborda são muito interessantes.
Obrigada por me fazer reviver tempos tão felizes, pois, recordar é viver….
Maria Odete
Sendo assim, completo o texto que ficou cortado:
«Rua de Neves Ferreira (Entre o Largo de Serpa pinto e a Rua de D. Miguel de Melo) – João António de Brissac das Neves Ferreira – Oficial da Marinha – Governador de Benguela (2-3-1880) de Moçambique e Comissário Régio da Índia (1896-1897). Instalou o distrito do Congo (1887)), de que foi o primeiro Governador, nomeado em 23-12-1885 – Ministro da marinha e Ultramar (1893). Criou a Colónia Penal Militar e Agrícola do Moxico, que é início da nossa ocupação efectiva do actual distrito do Moxico, Além-Quanza. Foi Administrador da Companhia Agrícola do Cazengo. nasceu em 1846. Faleceu no Funchal, em 5 de Junho de 1902, quando novamente se dirigia para Angola.»
Muito agradecida por ter colocado o texto completo, que, para mim tem muito interesse.
Curiosamente fiquei hoje a saber, e, graças a si, que Neves Ferreira foi Governador de Benguela, cidade onde vivemos (desde 1942) antes de irmos para Luanda…São as coincidencias da vida conhecidas mais de meio século depois…
Bem Haja!
Tantos anos a viver a Mutamba com os Machimbombos e sinaleiro e a Fazenda e nunca me passou a origem do nome MUTAMBA que era o ponto de referência e de encontro de quem chegasse a Luanda para se encontrar alguem.
Os meus parabéns pela procura do passado de Luanda.
Muitos angolanos caem no erro de pretender esquecer o passado já que este tem raízes coloniais. Porém a história não pode ser alterada e o que somos hoje bem ou mal foi o resultado de um desenvolvimento histórico e deve ser encarado como tal. Contudo hoje em Angola os seus dirigentes continuam a cair no erro “histórico” de tentarem esconder ou re-escrever o passado.
A Mutamba para mim é um ponto de referência das minhas memórias, não só de criança como de adolescente e início da idade adulta.
Trabalhei na Rua Pereira Forjaz por cima do Bazar Lisboa, todos os dias apanhava o Maxibombo que me levava até S. Paulo onde morava. Qua saudades eu tenho do movimento da Mutamba onde gostava de chegar cedo e ver todo o reboliço e movimento das pessoas que aqui chegavam para irem para os seus empregos, era sem dúvida um ponto da cidade de Luanda com muita vida, alegria e movimento.
Quem sabe um dia lá voltarei, sei que não vou encontrar a Mutamba de então, mas para mim que importa… se mesmo assim lá conseguir chegar e matar saudades daquela que foi a cidade que me viu crescer.
Fiquem bem.
Um abraço a todos
É pela primeira vez que leio as suas notas e esta que fala da Mutamba, sobretudo do significado original da palavra em termos de Lingua, deixa-me mais culto em termos de história.
Entretanto, só quero aqui recordar que a história de Angola é rica em nomes e acontecimentos que durante cerca de 5 séculos, marcaram o povo deste país.
Como é a vida, a história também é dinâmica é por isso que ninguém pode apagar ou fazer recuar a mesma.
Saudades do nosso tempo de infancia, temos todos nós, também me lembro do senhor Rodrigues Magalhaes,colono comerciante que antes de fugir à Portugal, durante o período de 1974/75, matou o seu melhor empregado, o Saraiva, bem ou mal também tenho saudades daquele jovem mas na vida é mesmo assim é a dinâmica.
Com todo o respeito, peço que não culpemos este ou aquele, pela perda deste ou daquele nome ou lugar… E eu não acredito que os dirigentes de Angola continuem, alias como nunca cairam também, no erro ´´histórico´´ de tentarem esconder ou re-escrever o passado, antes pelo contrário, pois, Huambo foi antes Huambo e não Nova Lisboa; Uige foi antes Uige e não Carmona, Kinaxixi, Kinaxixi e não Meria de Fonte e assim por diante. É história e ela não se apaga.
Saudades são saudades, quanto ao resto é história.
Com todo o respeito mais uma vez, prazer e vontade, despeço-me desejando que falassem também da origem do nome que se atribui ao bairro ou Município de SAMBIZANGA.
Cordiais Saudações!
Olá a todos!
Antes de mais, uma palavra de parabéns ao eng. Afonso loureiro pelas fotos e textos que continua a publicar. A sua ajuda tem-me sido útil de várias formas.
Agora, usando abusivamente o seu espaço, venho pedir à Maria Odete se há hipótese de me enviar à cobrança,para a Guarda (terra para onde vim depois de Luanda) fotocópia do Roteiro toponímico das ruas de Luanda, de 1974, que refere na sua mensagem. O roteiro é para um trabalho de mestrado em que já conto com a colaboração do eng Loureiro.
Poderíamos contactar por mail?
Ficaria muito grata!
Berta
Olá Berta
Tenho muito gosto em lhe enviar fotocópias do Roteiro de Luanda de 1974. Só terá que me dar a direcção para onde enviar. Se tem contacto com o eng. Afonso Loureiro ele poderá fornecer-lhe o meu endereço electrónico. Penso que ao fazermos comentários ele fica registado.
Caso contrário também acharemos uma solução.
Fico a aguardar.
Maria Odete
Bom dia.
Gostaria de saber se tem no seu arquivo alguma foto da Loja Mini Mercado Nova Luanda que estava na zona do Serpa Pinto Nº 94.
Abraço.
F.V
Morei uns quarteirões mais abaixo, mas não me lembro de ver esse nome. A loja chamava-se Nova Luanda em que época?
Olá,
Caí aqui porque pesquisava o nome actual da cidade de Luanda. Não sei se mudou …se aguém souber que me diga.
No meio da busca, encontrei este post e tie de parar…eu morei na Neves Ferreira. Esse era o “meu” super…Nem sei q diga, na época teria 12 anos e recordo tudo como se fosse hoje. O que achei curioso, é que adoro Tamaras e como-as como uma necessidade desde que vivo aqui…e ao Ver o que significa Mutamba, que tb não sabia, achei curioso…:)
um abraço
Luanda continua a ser Luanda.
Só por curiosidade queria saber a origem do nome Maximbombo.
Sou Angolano,entrei neste site por acidente de percurso, estou a gostar.Parabens a todos os visitantes e quem criou este site
Mungue
Muitos se esquecem que LUANDA nasceu com o nome de SÃO PAULO DA ASSUNÇÃO DE LUANDA.
Sempre ouvi dizer que era a corruptela de “Machine Pump”, mas há muitas outras interpretações para a etimologia desta palavra.
Entrei por acaso, na busca da origem de “kinaxixi”… fiquei interessada. Ja agora gostaria de ver o que tem o roteiro sobre o kinaxixi, e continuona busca da origem da palavra.
Obrigada!
O roteiro é de 1954 e o largo, nessa altura, não se chamava de Kinaxixi. No entanto, a palavra significa lagoa e refere-se às cacimbas (lagoas) da zona. Uma delas é onde está o prédio inacabado do largo.
CAROS AMIGOS.
CÁ VAI O MEU CONTRIBUTO.
SEGUNDO DOCUMENTOS ANTIGOS O NOME KINAXIXI, TERÁ SIDO CANAXIXE, LOCAL DE UMA LAGOA QUE EM TEMPOS ABASTECEU DE ÁGUA A CIDADE DE LOANDA.
Henrique Mota
Boa tarde,
Sabe onde posso encontrar o roteiro toponímico de Luanda de 1954?
Cumprimentos e obrigado,
Alexandre Sarmento
Entrei aqui de roldão,gostei do que li,espero ser aceite no vosso seio.pois espero pesquisar tudo aquilo que diga respeito a Angola com a vossa ajuda.COM UM FORTE ABRAÇO.