Batota na Kiela
Afonso Loureiro
Na avenida que liga o Aeroporto Albano Machado ao centro do Huambo há muita gente a trabalhar na recuperação dos jardins. As mulheres, com os filhos às costas, ocupam-se de plantar a relva folha a folha e de apanhar as pétalas das acácias que caem nos canteiros.
Os homens, que deviam fazer os trabalhos mais pesados, ocupam a hora do almoço e grande parte do resto do dia de volta de quatro dúzias de pequenas covas na ponta de um canteiro.
Tiram pedras de um buraco e enfiam-nas noutro. A seguir vem outro e repete o movimento, reorganizando a coisa. As pedrinhas vão percorrendo as casas para trás e para diante, seguindo a estratégia de cada jogador de Kiela.
Jogando Kiela
As partidas demoram horas. Quando um jogador está prestes a vencer a partida, o outro socorre-se de uma jogada estratégica bem planeada e inverte a situação. O jogo só termina quando o adversário não puder jogar mais.
Enquanto observava esta partida renhida, perguntei quem estava a vencer. Apontaram-me para um dos jogadores. Sorria, orgulhoso, enquanto mudava as pedrinhas de sítio. O adversário jogava bem, quase sempre contrariando bem as jogadas deste.
Um pouco depois, todos os que estavam do lado esquerdo viram o que vencia mais vezes saltar uma casa enquanto deixava as pedrinhas… A última perinha não caiu numa casa vazia, como deveria. Fez batota e acabou por acertar na casa onde retirava grande parte das pedras ao adversário. Ganhou o jogo na ronda seguinte. O outro bem puxou pela cabeça, para tentar perceber onde tinha falhado a sua estratégia, mas as contas nunca batiam certo.
Não consegues dar aqui uma lista das instruções?
Não há dúvida que o tempo em África é vivido de outra maneira, os jogos duram horas e consegue-se perceber pela foto que os jogos são realizados durante o horário de trabalho… tudo sem stress (que inveja).
Isso não é aquele jogo que vinha nos Nokia 3310? 🙂
Grande abraço
Não me recordava do Nome. É o resultado de não ter tomado notas (num bloco) como é o seu caso. Mas ao ver as covinhas no chão, lembrei-me imediatamente de uma das formas como dos povos das terras do fim do mundo (os Ganguelas) matavam o tempo. Ali, em vez de pedrinhas, usavam umas sementes redondas, se calhar, sementes de maboco. Nunca cheguei a perceber as regras mas, na altura, há trinta e muitos anos atrás, deu para me convencer que aquelas gentes, quase vivendo na pré-história, passavam o tempo com um jogo que obrigava a raciocínios nada simplistas. Só não sei se faziam ou não batota. Como não sabia as regras não dava para perceber.
São boas recordações que guardo daqueles povos.
Entre a comunidade africana residente em Portugal este jogo, a que os caboverdianos chamam Uril, faz parte do quotidiano de gente de todas as idades e os “bancos de uril” (caixa de madeira com as covas e respectivas sementes de calabaceira ou pedrinhas) estão disponiveis em todos os cafés, associações, clubes e casas de família. Também na minha.
Olá tudo bem… Sou professora aqui no Paraná. E desempenho um projeto em jogos africanos na matematica. Você pode me ajudar com algum material.. adorei esta pagina e confesso que não conhecia. Sou apaixonada pela Africa e tudo que vir de informação será bem aproveitada
att, libia
MUITO giro o jogo! Vi uns miudos a jogar, lá para os lados da barra do kwanza e pedi que me explicassem…com muita paciência lá se deu a coisa. Escusado será dizer que fiquei viciada e que actualmente ando com pacotinhos de sementes na mala para jogar assim que houver chance. Como ainda não tenho tabuleiro (ainda…mas vou ter!) a “chance” é sempre que consigo fazer os buracos no chão e convencer alguém para umas partidas. Tal como os “locais” eu também fico horas a jogar Kiela.
Quando tiver algum tempo (a.k.a. paciência…) passo-te as regras básicas da coisa…pode ser que por aqui eu consiga uns parceiros. =D
Gostei do seu blogue.Gosto de consultar tudo que fale de Angola.Nasci em Angola e vivi no Huambo. Essse jogo é engraçado. Boas recordações que vivo dos meus tempos de infância e adolescência.Hoje com tão pouco, vivem o dia a dia e são felizes.Maria
Os rapazes que jogavam a Kiela também estavam com ar feliz.
A Kiela aqui descrita é a Uéra que eu conheço, aparentemente um jogo simples de pastores de gado da Africa, mas esconde uma complexidade de raciocinio matemático muito interessante. Isso é comprovado pelo fato de que mesmo a maioria dos pastores naquele tempo ser analfabeto (e duvido que isso tenha mudado), era capaz de fazer raciocinios complexos e inventar estratégias fantásticas para o viver diário. Já soube de pastores que apostavam inclusive gado nas jogadas, e naquele tempo não havia batota, as jogadas podiam durar dias, paravam e reiniciavam no dia seguinte, (afinal os pastores precisavam trabalhar, rsrsrsrsrs ). Havia Uéras de vários comprimentos, mas naquela região todas tinham quatro fileiras e a maioria sempre ficava em baixo de uma arvore. Esse jogo tem uma infinidade de nomes (entre eles Mancala) e é praticado (mesmo com variações) em toda Africa, e parte do Oriente Médio e Ásia, isso apenas para provar as migrações que os pastores faziam em busca de alimento para o seu gado…
Parabéns pelo seu Blog
Obrigado pelo valioso contributo para o conhecimento de mais um pouco deste jogo.