Aerograma

Isento de Porte e de Sobretaxa Aérea

03 2009

Caligrafia dos Meandros

Para quem gosta de imaginar a História das coisas que nos rodeiam, nada melhor que ver o curso de um rio.

Perto da nascente, qual adolescentes irrequietos, muitos rápidos e quedas violentas. Cheios de ímpeto, correm para as planícies, levando tudo o que puderam à frente.

Alguns morrem em estuários calmos, como os velhos que adormecem uma última vez. Outros saltam para as águas do mar de supetão, como que apanhados de surpresa pela morte, num qualquer acidente ou doença súbita. Outros, poucos, perdem-se nas areias do deserto, sonhando com uma foz no mar…

Pelo caminho, atravessam as crises existenciais, dos ‘intas, dos ‘entas, da meia-idade. Indecisões sobre o rumo a tomar, que as curvas fazer ou até se vale a pena continuar a correr.

Nas zonas mais planas, os rios começam a fazer curvas. A física diz que a velocidade da água do lado de fora da curva é maior que do lado de dentro e, por isso, as curvas vão ficando mais apertadas. A seguir à curva, a corrente encarrega-se de inflectir o curso das águas para a direcção oposta e a linha traçada pelo rio na sua infância começa a meandrizar, contorcendo-se como uma serpente gigante.

Às vezes acontece que uma sucessão de curvas aperta tanto que as margens se tocam e desaparecem. O braço de rio acaba por ficar desligado do curso principal, que agora galga aquela praia entre as margens. Nas águas com menos corrente é frequente encontrar-se os nadadores-salvadores rasteirinhos da Lacoste.

Com o passar dos anos, o rio sem corrente acaba mesmo por ficar desligado do rio, formando um charco em forma de ferradura. O resto do rio continuará a contorce-se, podendo voltar a interceptar estes vestígios de épocas passadas.

Vistos do céu, os rios parecem escrever a sua História com uma caligrafia muito especial, ditada pela força das águas e adornada com vegetação luxuriante.Huambo_20090202-120902-S12-16364_E015-60960_06
Contando a sua História

Acerca do autor

1

Nascido no século passado com alma de engenheiro, partiu para Angola, de onde envia pequenos aerogramas.

4 respostas a “Caligrafia dos Meandros”

Nota: Comentários mal-educados, insultuosos ou desenquadrados serão apagados.
  1. A música não podia estar mais certa ” Sou como um rio”… a nossa história é também assim cheia de curvas e contra curvas, mas no final acabamos sempre por chegar ao MAR.

  2. Uma pequena palavrinha, depois de imensas semanas seguindo diariamente o teu blog, para dar os parabéns por este cantinho tão agradável e interessante que é o teu “Aerograma”. Nunca tive tanto prazer em ler descrições da minha terra, olhada/analisada pelos olhos de alguém que vem de fora. É um deleite 🙂
    Abraço***

  3. Se há comentários que me fazem perder o ânimo, há outros que me dão alento para continuar.

    Bem haja!

  4. Olá

    Estou prestes a mudar-me de Lisboa para Angola, provavelmente para o Huambo.

    Devo dizer que este blog tem sido uma referência na minha “investigação” sobre o que me espera (e o que não me espera de todo). Além de dar informações válidas e úteis, dá um toque pessoal e sincero que permite ter um cheirinho do que será viver por esses lados.

    Obrigada !

    Cumprimentos
    Rita

Deixe uma resposta

Nota: Os comentários apenas serão publicados após aprovação. Comentários mal-educados, insultuosos ou desenquadrados serão apagados de imediato.

« - »