A preferida
Afonso Loureiro
Há algumas palavras que sentimos mais que outras. Como em tantas coisas na vida, temos as nossas preferidas e as nossas preteridas. Há palavras pelas quais nos apaixonamos, que se enrolam na nossa língua e na alma como amantes perfeitas, que dizem muito mais que o seu significado, que são, à sua maneira, mais do que palavras. Há palavras indomáveis que nos trazem memórias e sonhos. Há sonhos e memórias que nos trazem palavras.
Das palavras detestadas, quase todas entram na categoria dos “eufemismos politicamente correctos que mascaram hipocrisia”. Mas não falemos delas. Falemos das outras, das que nos tocam cá dentro e nos fazem sorrir, nem que seja disfarçadamente.
Sinto-me previlegiado em ter crescido com uma língua riquíssima, complicada, cheia de quase-sinónimos opacos para os estrangeiros, mas perfeitamente distintos para os nativos. É tão bom brincar com as palavras. É tão bom vê-las dançar à volta do que queremos dizer, umas vezes fugindo, outras vezes tocando na essência do nosso pensamento.
Tenho muitas palavras preferidas. Gosto de as usar. Gosto de usar os seus sinónimos. Uso a riqueza desta língua para evitar a monotonia e a repetição. De entre todas essas, há uma que se destaca. Tem uma simplicidade complicada ou uma complicação simples (haja línguas pobres capazes de traduzir isto), uma leveza etérea e uma perfeição como nenhuma outra. A melhor maneira que tenho de a descrever é onomatopeia visual. Consegue explicar melhor o que se vê do que as palavras que convencionámos simbolizar as cores.
Em quatro sílabas, arranjadas em rima de pé-quebrado, conseguimos descrever de forma completa e absoluta, aquilo que poetas, pintores e fotógrafos procuram captar, em vão, desde sempre.
Aqueles breves momentos entre o ocaso e a chegada da noite, quando o dia perde a cor e só nos apercebemos das sombras das coisas, em que sentimos a luz fugir-nos e tentamos agarrá-la, abrindo mais os olhos, desesperadamente. As coisas ganham um tom cinzento-azulado cada vez mais escuro, indefinido.
Por muito que tente, nunca conseguirei descrever o verdadeiro significado da palavra. As suas variações, embora todas iguais, são imensas. Nunca haveria tempo nem palavras capazes de o fazer. Até mesmo os sinónimos ficam aquém do esperado. Falta-lhes tudo o resto para além do fenómeno físico. São estéreis e angulosos. Estão mortos. Não têm alma.
Haverá palavra mais bonita que Lusco-fusco?
Haverá melhor lusco-fusco que o da ilha de Luanda?
Afonso
Isso é dois em um para si: gostar da palavra e tê-la.
São
E hoje estava um desses finais de tarde em que só apetecia ter a máquina fotográfica por perto…