Aerograma

Isento de Porte e de Sobretaxa Aérea

22  03 2009

A caminho de casa

Numa manhã de Verão, que acordou a pensar ser dia de Cacimbo, com as moscas peganhentas por julgarem que vai chover, levantei-me eu também, julgando serem horas ainda de sonhar.

Mesmo assim, a perspectiva era animadora. Algumas horas de espera no aeroporto internacional de Luanda antecederiam uma longa viagem de regresso a casa. Umas semanas de férias após alguns meses de trabalho.

Maravilhas da tecnologia, o check-in já estava feito da véspera e o lugar escolhido numa janela estratégica. Em vez das cinco horas de antecedência habituais, era-me permitido estar na gare uma hora antes. Fui com duas, não fosse o diabo tecê-las.

As peripécias do 4 de Fevereiro já são tão conhecidas que até aborrecem. Os agilizadores, que prometem facilitar isto e aquilo reconhecem-se à distância. Desta vez, por ser um voo numa data pouco concorrida, o seu número quase superava o dos passageiros.

Antes sequer de entrar na sala de espera, já tinha dois agilizadores a prometerem-me uma espera dentro da sala de embarque, ao invés de uma espera irmamente repartida entre a fila da entrada e a sala de embarque. Não o disseram, mas seria a troco de alguns kwanzas… Perguntei-lhes se o avião partia mais cedo se me ajudassem a passar a fila. Pois, bem me parecia. Prefiro esperar aqui, obrigado.

Uma dúzia de pessoas na fila, meia-dúzia de malas. Dez minutos, talvez menos. Foi menos. Ainda não tinha acabado de ler a página do livro que trazia e já estava na sala do check-in. Teria mudado de página se não tivesse sido interrompido por mais quatro agilizadores desesperados pelo negócio fraco.

Sem bagagem de porão e com o bilhete impresso de véspera, o check-in foi o mais rápido de sempre. Não havia ninguém na fila.

No controlo seguinte verificavam se tínhamos o canhoto do talão da emigração que se preenche à entrada do país. Se não tivermos, não há problema, dão-nos um novo para rasgar a meio e fingir que é o original…

Antes de me carimbarem a saída do país no passaporte, tive de aguardar enquanto o guarda atendia uma chamada urgentíssima de alguém. Profissão? Férias? Trabalho? Carimbadela. Leva moeda nacional? E se levasse? Não é aqui que se faz a declaração de valores. Mas não há como tentar a sorte e ver se os viajantes deixam algum.

No Raio-X, a cena repete-se. Lá me perguntam pelos benditos kwanzas. Aqueles que deixei em casa, prontos para o meu regresso. O passageiro que me antecedia é que teve menos sorte. Levava um frasco de perfume caro. Ficou retido porque era um líquido inflamável, que podia rebentar em voo e não podia entrar no avião. O passageiro acabou por se resignar e fazer de conta que o perfume não fazia parte dos objectos permitidos.

Mais à frente, outra visão familiar. Um polícia com o ar de ditador do quarteirão estala os dedos, com uma mão na anca e a boina de lado.

«Plisse! Fáchavor!»

Aponta para a declaração de valores, fazendo os passageiros entrar no confessionário dos kwanzas, euros e dólares.

Desta vez, por confiar nos sistemas bancários europeus e não levar dinheiro nenhum comigo, enfureci o fiscal. A cada pergunta acerca dos montantes que levava respondia-lhe «Nada!». Insistiu que me queria ver a carteira. Mostrei-lha, mas não achei muita piada a partilhar a sala com um outro passageiro que também declarava o que levava.

Em menos de meia-hora venci aquilo que costuma ser um pesadelo. Agora restava-me esperar. Sentei-me nas poucas cadeiras que há na sala de embarque, fora da zona vedada. Lá em cima há mais, mas está sempre tudo cheio de mosquitos.

Os passageiros reclamavam que não havia cadeiras suficientes na sala de embarque. O funcionário encolhia os ombros e não tirava os olhos do telefone onde escrevia uma mensagem. Com a mão livre apontava para as cadeiras já ocupadas.

Dois Sul-Africanos, exasperados com tantas burocracias e complicações, contavam o sétimo controlo de bilhetes e passaportes. «Another check-in. These guys are too complicated. And all for nothing!» Antes que perguntem, não, não eram brancos. Meti-me na conversa e acrescentei que todo o país é complicado. «Yes! Too much.»

À sala de embarque chega uma Espanhola, que telefonava para casa pedindo que lhe cancelassem os cartões de crédito. Tinha sido roubada já no aeroporto, ao tirar o passaporte de mala. No meio da confusão de passageiros, agilizadores e ladrões da entrada, alguém lhe levou a carteira. Curioso é que a senhora estava coberta de jóias. Brincos, anéis e relógio grandes e dourados chamam a atenção em qualquer lado. Aposto que não é a maneira mais sensata de andar em Luanda.

O avião aterrou. Deu umas voltas na pista e parou em frente à sala de embarque. Daqui a uma hora estamos a embarcar. Mais umas tantas e desembarco em Lisboa.

Acerca do autor

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Nascido no século passado com alma de engenheiro, partiu para Angola, de onde envia pequenos aerogramas.

2 respostas a “A caminho de casa”

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  1. Caro Afonso,
    Espero sinceramente que tenha umas boas férias.
    É bom regressar a casa.
    Os meus cumprimentos.
    elmiro

  2. é verdade sim aquele aeroporto é uma comédia, é sempre bom conhecer alguem ou andar acompanhado de Angolanos

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