Horário de expediente
Afonso Loureiro
Desde há muitos anos que não gosto de levar trabalho para casa. Aliás, no que toca a trabalho, quanto menos, melhor. É certo que o ócio pode levar ao tédio, mas prefiro aborrecer-me a ter de me preocupar com coisas de trabalho no tempo de descanso.
Um dos meus lemas é que os horários são para ser cumpridos e, já que não se cumpre o da entrada, ao menos que se cumpra o de saída. Trabalhamos para viver. Não vivemos para trabalhar.
Aliás, se o trabalho fosse coisa boa, não era preciso ser pago.
Em todas as profissões há quem se entregue por completo ao trabalho, esquecendo refeições e fins-de-semana, e outros que cumprem o seu horário de expediente, sabendo que no dia seguinte há mais para fazer. Lembro-me de uma cena do filme Amélie Poulain, em que um mendigo recusa uma esmola ao Domingo por ser dia de folga «Pas au Dimanche, merci!».
Curiosamente, em Lisboa, no adro da Igreja de São Domingos, há pedintes profissionais que se regem pelas mesmas regras desta personagem. Parece que o sindicato faz um controlo apertado às horas de trabalho semanais e à duração das pausas obrigatórias.
Os mendigos desta igreja entram às oito e saem às cinco, com duas pausas de quinze minutos. Uma de manhã e outra à tarde. Almoçam do meio-dia à uma.
Suponho que também tenham um dia de descanso semanal e outro de descanso complementar, uma vez que trabalham aos Domingos e feriados.
Hora do almoço
Muito interessante este tema numa sociedade que actualmente se rege no mundo empresarial com isenções de horário que alarvemente acabam por obrigar muitos a tornarem-se workaholics com as exigências competitivas. Às vezes dou comigo a pensar que a tal de evolução nos tolda a mente a ponto de se ficar “burro” e alinhar nesta alucinação do vale tudo desde que se garanta o emprego. Com as devidas nuances e necessidades é algo estranhamente preocupante! Parece-me que à medida que se vai progredindo na carreira e ocupando cargos mais elevados se passa a castrar todas as possibilidades de seguir por uma linha mais soft que nos permita trabalhar para viver. Não consigo prever os danos desta nova filosofia do trabalho em que ser um pouco mais ambicioso implique até com opções do resto da vidinha paricular. É um tema tão vasto que daria pano para mangas. Muito mediático e eu vou dizendo que deveria haver mecanismos de protecção a esta liberdade de exigência laboral. Não há muito tempo aqui nos orgãos de comunicação social muita polémica deu o caso do pai que atolhado de trabalho se esqueceu da filha no carro que acabou por morrer. Há coisas que me transcendem! Anda meio mundo meio enlouquecido!
Faz portanto muito bem e não se deixe agarrar nesta onda de viver para trabalhar, afinal acabamos todos da mesma maneira e só aceleramos um processo de envelhecimento por exaustão. Que se tenha direito a viver para além do horário de expediente. Se bem que ainda há dias alguém me dizia que era muito bonita a minha teoria que acaba por ser muito idêntica ao que escreveu, mas que quem está desempregado dava este mundo e outro para poder trabalhar porque sem emprego viver só se fosse pedir para a Rua Augusta. Lá teria almoço e tal, mais os dias de descanso garantido mas não era bem essa a ambição de quem se esfolou a estudar e se vê nelas para arranjar emprego. Anda aí uma avalanche a partir para Angola que é bem o reflexo de como isto por cá anda nas ruas da amargura! Salve-se quem puder!