Contemplação
Afonso Loureiro
Na estrada da Camama, a caminho de Luanda, o trânsito escorria como podia pelo meio dos candongueiros que davam m’baias a tudo e todos. Os mais pacientes aguentavam o pára-arranca já sem fazer caso do quanto tempo faltaria para chegar a casa ou ao cruzamento seguinte. Haveriam de chegar.
O Sol foi descendo devagar no céu, quase que acompanhando o fluir do trânsito. Lentamente, o horizonte começou a ganhar a cor do fogo e as nuvens a cobrir-se de ouro.
De dentro da minha jaula com ar condicionado pude observar o jogo das escondidas que o Sol fazia com os postes e fios que riscavam o céu. Primeiro tocava um lado; depois, muito devagarinho, escondia-se atrás do poste. A seguir, como quem espreita timidamente numa esquina, começava a mostrar-se do outro lado. Depois fugia e procurava outro poste para se esconder.
Eu ia avançando aos poucos. Pensava no espectáculo que não seria este pôr-do-Sol num qualquer local onde o pudesse contemplar em paz. Por causa do trânsito não o estava a apreciar devidamente.
Mas depois emendei. Graças ao trânsito lento de Luanda pude estar ali a ver aquela brincadeira. Graças àquela brincadeira, pude pensar num monte de coisas em que já não pensava há anos. Aulas de astronomia. Posições aparentes dos astros. Trigonometria Esférica. O quão pequenos somos comparados com o resto e o quão importantes nos julgamos. A efemeridade da vida. É melhor avançar antes que o candongueiro se enfie!
Esse trânsito tira qualquer um do sério.
Ainda me rio quando as pessoas se enervam por cá na hora de ponta do almoço..se soubessem que em Luanda é a todas as horas e dias “hora de ponta”..Enfim 😉
Saudades do por de sol africano! É algo qe fica gravado na memoria!