Angola é uma nação!
Afonso Loureiro
Julgo que não estarei sozinho quando digo que Angola merece elogios. Não me refiro aos positivistas oficiais nem aos que repetem o que o orgulho vão os impele. Falo de todos os acreditam no futuro deste país.
O futuro do país
No entanto, descobri que o melhor elogio que posso tecer a esta nação é o de ser realista em último grau. Todos aqueles que começam a acreditar que isto já não é um país africano, cedo descobrem que há banhos de realidade a cada esquina.
Ora é o insulto vindo do moço que zunga desodorizantes para carro, que se sentiu injuriado porque o branco não lhe comprou a mercadoria (a preço de branco, claro), ora é o atestado de estupidez que nos passa um polícia ao teimar que um sinal de trânsito vale coisas diferentes consoante o humor do agente da autoridade.
No dia em que acreditamos que as vozes dos luandenses já se fazem ouvir, mais um edifício histórico vem abaixo. Muito se lamenta, muito se reclama, mas a torre de vidro tem um prazo de entrega e no preço do lote há muitas quantias não declaradas.
Lugar de gente boa
É preciso não confundir a nação Angola com a terra Angola. São coisas diferentes. A terra Angola é maravilhosa, enche-nos os sentidos com a sua imensidão e variedade. Infelizmente, a Angola nação tem o mau hábito de afogar tudo sem pedir licença, nem que seja com um controlo de estrangeiros, ou seja, brancos, no meio do país.
No momento em que nos começamos a iludir e a acreditar no futuro da terra, a nação manda-nos um fiscal de olhos vidrados e fala arrastada que nos pede o passaporte no meio do bafo de carrascão. Com tanto ou tão pouco jeito para desdobrar a cópia, consegue rasgar o documento e acusa-me de o ter em mau estado de conservação. A gasosa já tem justificação, porque é uma falta grave ter o passaporte naquele estado. Questiona até a autenticidade do selo branco com que está autenticada a cópia, o que faz subir o valor da multa. A velha técnica de criar dificuldades para vender facilidades levada ao extremo. Ébrio, como está, recusa-se a discutir o assunto. Remete-me para a Lei: «Vais discutir isto com a Lei!». A Lei, afinal, é o colega sóbrio, que tenta sacar a mesma gasosa pelas falinhas mansas. O discurso do costume, de que temos todos de ser amigos uns para os outros e que uma mão lava a outra. Com os documentos na mão, minto uma promessa de gasosa no regresso, que agora não tenho dinheiro. Preocupado com um eventual desencontro, dá-me o número do terminal, para combinar a hora a que passo de volta. É que se der a gasosa a um dos colegas, papam-lha sem dizer nada. Para justificar a ausência do posto, acrescenta que pode ser que vá ter com a rapariga lá atrás, mas não demora muito. Uma rapidinha, portanto. Penso em nomes feios, respiro fundo e apercebo-me que regressei à realidade. Angola é uma nação!
Eu continuo a acreditar. E disso jamais abdicarei. Abraço***
Duas discordâncias (ou algo parecido) respeitosas 🙂
Angola são várias nações, na verdade…Um país e muitas nações.
Sou leitora assídua, Afonso, e grande apreciadora (não, não amacio a carne antes de cortar ;)), mas a verdade é que não gosto de ouvir/ler coisas na onda de “Todos aqueles que começam a acreditar que isto já não é um país africano…”
À parte de qualquer visão realista, e creio tê-la, honestamente. Mas acho que é sempre uma visão/leitura enviesada e necessariamente eurocentrista.
kandandu sincero
Subscrevo a parte da visão eurocentrista, mas queria só acrescentar que fiz minhas as palavras de Pepetela, que dizia, acerca da luta pela independência, “sonhávamos fazer um País em África, mas só conseguimos fazer mais um país africano”.
É, de facto um país com várias nações, mas por vezes parece que se tenta vender a cada uma dessas nações a ideia de que uma coisa chamada Angola é o paraíso na terra apenas porque é Angola. Admiro o nacionalismo dos angolanos, mas lamento que alguns não consigam perceber que o estrangeiro não é bicho-papão.
Angola tem dias em que nos satura, mas não é por ser Angola, é pelos maus hábitos de um país que cresceu na lei do mais forte e onde a “gasosa” impera. Felizmente que compensa com todas as coisas boas.