Aerograma

Isento de Porte e de Sobretaxa Aérea

06 2009

A minha prenda

Pela primeira vez, comemoro um aniversário fora de casa. O segundo dos ‘intas. Não sei bem como me sentir, se é que me devia sentir diferente. Estar longe de casa é sempre difícil e Angola tem o condão de nos levar aos extremos. Talvez seja mais interessante contar a história do meu presente de aniversário falhado.

Começou lá para meados de Dezembro, numa visita a Massangano. Encontrei uns miúdos a brincar com os carros feitos com latas de conserva e muita habilidade. Fiz negócio com o Francisco. Em troco de lápis de cor e papel, construia-me um carro. Aceitou o negócio. Entreguei-lhe um bloco de papel de desenho e uma caixa de lápis de cor. Haveria outra no dia em que me entregasse o carro. Perguntou quando voltava, disse-lhe que em Janeiro ia buscar a encomenda. Reclamou que era muito tempo, mas resignou-se.

Janeiro foi e veio, assim como Fevereiro e Março. Abril também. Acabei por só conseguir regressar a Massangano em Maio. Encontrei o Francisco no mesmo sítio, junto à fortaleza. Com ele vinha um amigo que insistia para que lhe desse dinheiro para comprar bolachas. Conversei um pouco com o Francisco e ignorei o pedinchão.

«Então, o carrinho está pronto?»
«Está sim!»
«Ainda bem, tenho aqui a outra caixa de lápis para te dar.»
«Sim.»
«Não o vais buscar?»
«Está no telhado de chapa. Está muito quente. Queima.»
«Vou contigo e tiro-o sem me queimar, pode ser?»
«Ainda não tem rodas…»
«Não disseste que estava pronto?»
«Sim…»
«Então? Está ou não está?»
«Ainda…»

E foi assim que voltei de mãos a abanar.

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Vou sonhando com o meu

Acerca do autor

1

Nascido no século passado com alma de engenheiro, partiu para Angola, de onde envia pequenos aerogramas.

11 respostas a “A minha prenda”

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  1. fantástico negócio

  2. Parabéns e um abraço.

  3. Em tempos idos, os miúdos de Massangano costumavam contar uma história sobre a origem do nome da terra, a troco de uma moeda. Ainda o fazem?

  4. Durante alguns anos surpreedeste-me regularmente com uma mensagem de felicitações pelo meu aniversário. Só hoje o posso retribuir do mesmo modo pois não te imaginava nascido no dia seguinte ao da Criança (que todos nós transportamos).
    Aceita um apertado abraço de ânimo, encorajamento e felicida
    des futuras pelo segundo dos ‘intas. Os teus aerogramas diários de cunho simples, vivo, humano, como que me concedem
    o dom da ubiquidade permitindo-me seguir cá, praticamente em tempo real, o que por aí vais observando, apesar de não constituirem propriamente surpresa para quem aí permaneceu momentos críticos. São vivências fortes, sentidas no epicentro de mutações sociais (des)construidas com profundos
    cortes culturais, com termos novos e outros caidos em desuso e hábitos adquiridos por força da sobrevivêcia.

  5. Parabéns! 🙂

  6. Parabéns Afonso!!!!

  7. Um MUITO FELIZ ANIVERSÁRIO, ainda que longe de terras lusas*** Abraço

  8. Hoje, no teu dia de seres pequenino, estás tão longe do nosso olhar! Mas, hoje, como todos os dias, estás tão perto do nosso coração! Esse que não conhece distâncias nem fronteiras e domina todas todas as línguas que falem de amor.
    Na impossibilidade de um físico olhar, falo-te do coração e com o coração.
    Um terno abraço de parabéns da tua mãe.

  9. Parabens pelos seus 20 e 12… Dos blogs que conheço de quem escreve a partir de Angola este é de longe o unico que me faz abrir a net fora de horas…Faz-me lembrar as colecções de cromos com aquela excitação de abrir as carteiras para ver o que vem lá dentro…

  10. Ainda só são vinte e onze, mas agradeço a atenção.

    Gostei muito da comparação com as carteiras de cromos, é um elogio que me deixa todo inchado!

  11. Acredites ou não, em Portugal ainda há lugares sem “internetes” e voltei de lá agora 😛

    Um grande mas grande abraço para ti grande Afonso!!

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