No óbito…
Afonso Loureiro
As mulheres dançam em círculo, entoando ladaínhas monótonas com voz cansada. Arrastam os pés com um baque-baque surdo, levantando o pó fino que lhes vai cobrindo os panos coloridos. As mulheres que começaram a dançar desgarradas aproximam-se do círculo que cresce e, aos poucos, encontram o seu lugar. De fora só se adivinham contornos escuros que rodopiam contra o lusco-fusco do cacimbo.
Um pouco ao acaso, cada mulher recita umas palavras e as restantes, em coro, respondem com o refrão. Pelo meio, há umas que interrompem com um lamento ou um gemido. Os pés continuam a arrastar a poeira, com o raspe-raspe ritmado.
Os homens conversam nas cadeiras de plástico, enquanto afastam os mosquitos chegados com o final da tarde. O quarto minguante compete com as lâmpadas nuas penduradas para iluminar as caras gastas e olhos vermelhos. O funge de milho e o peixe frito que as mulheres prepararam antes do anoitecer começa a circular. As gasosas também.
As mulheres mais novas meneiam as ancas, bamboleando o corpo e embalando a criança que têm às costas. As mais velhas limitam-se a arrastar os pés no círculo, com os braços pendurados ao lado do corpo, mostrando desânimo completo. O filho mais velho sente-se desorientado. Amanhã tem de ir escolher a caixa para pôr o pai no chão. Está revoltado. A viúva cumprimenta os recém-chegados que nem conhece. Limita-se a repetir o nome. Filomena. Filomena. Filomena…
Não tenho a certeza mas se bem me lembro chamam “comba” às cermónias ligadas ao funeral.
A este propósito recomendo um livro (não me lembro do título) do escritor angolano Manuel Rui, versando de uma forma muito hilariante a questão de um funeral.