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08 2009

Noite à Portuga

As festas de Luanda começam a meio da tarde de Sexta-feira. É uma tradição instituída em tempos remotos e faz parte da cidade. O ritmo do trabalho adapta-se a esta situação sem grandes problemas, uma vez que já se sabe que não se deve contar com problemas resolvidos a poucas horas da festa começar.

Muitos trabalhadores não voltam do almoço e partem directamente para casa. Há grades de cerveja, gasosas e carvão para comprar, e é preciso chegar lá antes que os outros. O trânsito, como seria de esperar, piora muito mais cedo. Mas a consolação é que também melhora antes do fim do dia.

Nos terraços dos prédios começam a ouvir-se os primeiros testes aos sistemas de som com o cair da noite. Pouco a pouco, as pessoas chegam das redondezas se a festa for modesta, ou de toda a parte se for uma das grandes festas, com direito a cartazes ou anúncios na rádio.

As festas, rav’s ou noites disto e daquilo ocorrem pela cidade toda, em fundos de quintal, largos mais recatados ou nos terraços maiores. Prometem música e muita cerveja, mas, acima de tudo, são locais de engate. Se é verdade que as mulheres casadas dormem sozinhas na noite de Sexta, as solteiras terminam o dia vestindo a roupa mais provocante que encontram e dirigem-se para as festas, onde têm entradas mais baratas ou até mesmo de borla.

Os cartazes que anunciam as festas costumam ter nomes e fotografias sugestivas, quase sempre de rabos de mulheres. «Noite da saia curtinha», «Rav do calção malandro», «Festa do fio dental», «Festa da chucha» ou «Noite do Bumbum arrebitado» são alguns exemplos que me vêm à memória.

Uma destas festas semi-famosas, que tem direito a cartaz mas não chega à categoria de anúncio na rádio, foi a Noite à Portuga. Só o nome deixou-me curioso. O que distinguirá esta das outras dezenas de festas naquele bairro? Talvez servissem vinho tinto em vez de Cuca ou passassem música pimba em vez de kizombas, kuduro e sembas, ou talvez mesmo tenham como decoração brancos gordos de bigode a beber cerveja e a despir com os olhos as angolanas que já vão quase nuas. Agora que penso nisto, é uma imagem demasiado decadente, ver aqueles olhos brilhantes colados aos decotes das raparigas enquanto dão cotoveladas nas barrigas uns dos outros e murmuram coisas como «Tu viste-me bem aquele par de mamas?».

Mas o cartaz também ajuda a perceber a imagem que os angolanos têm de Portugal. Pelos vistos, as minhotas, debaixo de todas aquelas camadas de fios de ouro, panos pretos e vozes esganiçadas, envergam uma espécie de lingerie típica, que nada tem a ver com a ideia que temos de folclore. Bom, talvez o folclore de algumas ruas holandesas seja assim.

Cartazes de festas
Noite à Portuga

Mas o pormenor que me deixou de boca aberta foi ver a Coroa Real a encimar a esfera armilar. Parece-me que estão a anunciar uma festa com 99 anos de atraso…

Acerca do autor

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Nascido no século passado com alma de engenheiro, partiu para Angola, de onde envia pequenos aerogramas.

3 respostas a “Noite à Portuga”

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  1. Pois, a feitura do cartaz deixa muito a desejar. Outros tempos, os tempos de hoje.
    Mas ficou-me a martelar na cabeça isto: E a rebita? E o merenge? Já não são moda? Quando por aí vivi 1 ano escolar, as noites de sábado espalhavam sons de guitarras vindos terraços dos prédios. Eram as noites de farra. Bastava eu estar à janela, na Rua Salvador Correia que num instante me imaginava no meio da festa. Na varanda, em frente à baía, treinava os passos aprendidos na escola ensinados pelas colegas com prática nas farras de sábado à noite:). Vou deixar um exemplo dos sons que se ouviam em finais dos anos 70. Procurei e encontrei aqui: http://www.youtube.com/watch?v=_MyIBw89tvY&feature=related.
    E posso garantir-lhe que haverão saudades destes sons dentro do meu coração, sempre.
    Até.

  2. Sou um leitor subjugado pelas noticias de Angola.Tenho por vezes cheiros da terra, que calcorreei durante 27 meses, nos já longínquos anos de 71/73, integrado numa companhia de caçadores.
    Ficaram as lembranças, que perduram no tempo.
    Um abraço amigo.
    Albano Laranjeira

    http://onzima-laranjeira.blogspot.com/

    Se quiser adicionar ao seu blog, agradeço.

  3. Ouvi a música recomendada pelo primeiro comentário e tb me transportaram para lembranças de altas farras nos anos 70. Vejo-me numa tarde de sábado a fazer os rissóis e o gelado que haveriam de fazer de “multa” (lembram-se desta palavra com este sentido?) para a farra da noite.
    Ah! Não esquecer, é para estar em casa à meia noite!

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