O artigo perdido
Afonso Loureiro
Às vezes fico furioso comigo mesmo por deixar escapar um pensamento. São aquelas ideias geniais que temos e, dois segundos depois, nos esforçamos inutilmente por tentar lembrar delas. Somem-se sem deixar rasto. Fica apenas uma sensação esquisita de que se perdeu algo. Deixar fugir um pensamento ou ficar com um espirro pendurado são duas coisinhas bem irritantes.
Não no mesmo patamar de aborrecimento, mas lá perto, está a incapacidade de perceber a própria letra. É um pensamento que se nos escapa, mas com atraso. Na altura ficamos felizes porque o imortalizámos, mas depois descobrimos que não foi adequadamente conservado e apodreceu como aquele tomate que deixei no frigorífico a semana passada.
Porque a minha caligrafia tem uma personalidade que quase lhe confere vida própria, há alturas em que grandes tiradas (ou imensos disparates) se confundem com os rabiscos frenéticos que antecedem o uso de uma esferográfica velha e de tinta seca.
Tenho de me conformar. Se até agora não melhorou, não lhe antevejo um futuro diferente ou, pelo menos, mais legível. Lá diz o ditado que burro velho não aprende línguas. Sou tentado a acrescentar que não é por ser velho…
Há umas semanas atrás rabisquei qualquer coisa no verso de um talão de caixa do supermercado. Meia-dúzia de linhas como alinhavo de uma ideia para algo que merecia um artigo no Aerograma. Literalmente em cima do joelho e com o esmero habitual no desenho dos ss, dos rr e dos mm, que agora só consigo adivinhar onde estão os tt e os ii, por causa dos traços e das pintas, claro. Como não me lembro de ter escrito a nota em código morse, suspeito que só isto não baste.
Sumiu-se
Agora estou num dilema. Será que a ideia era boa? Será que acabaria por se juntar aos rascunhos rejeitados? Pelo sim, pelo não, vou guardar o papelinho mais uns dias na secretária. Pode ser que me inspire.
Caro Afonso,
Há ainda uma outra razão para guardar o papelinho, todos os papelinhos, sobretudo os indecifráveis: se estiverem destinados à História aparecerão muitos especialistas que dirão exactamente o que lá está escrito. É só uma sugestão.
Um abraço.
Elmiro
Tenho uma ideia! Desenha um Salvador!
Com tanta feitiçaria por perto, pode ser que baixe o espírito do Champolion.
“Guarda o que não presta e acharás o que precisas”, lá diz o velho ditado popular…
Eu vi esse camião a encostar na Rei Katyavala antes de virar caixote do lixo.
É fantástico assistir a um processo de decomposição em grande escala.
Só não escreva um post sobre a falta de assunto, q isso toda gente já o fez, combinado?
Quando não há assunto, não se escreve. Deixa-se para outro dia.