Aerograma

Isento de Porte e de Sobretaxa Aérea

12  09 2009

Diogo Cam

Coisa curiosa, a maneira como a História é encarada em Angola, especialmente no que toca às referências a Portugal.

A seguir à independência, as estátuas do colono foram retiradas de Luanda. Os símbolos na nova nação não se queriam os mesmos, até porque as referências culturais almejadas eram outras.

As estátuas que foram deixando os pedestais desocupados passaram a conversar umas com as outras em frente à Fortaleza de São Miguel, depois de passearem por um ou outro sítio. A dos Combatentes da Grande Guerra sofreu um destino mais trágico, envolvida em plástico cor-de-rosa e dinamitada para dar lugar a um blindado descomissionado, um monumento à guerra ou ao material militar russo, não sei bem.

Mas em Angola também se travaram batalhas na Primeira Guerra Mundial. Apesar dos massacres nas Ardenas ocuparem a imaginação de todas, a guerra estendeu-se ao Médio Oriente, onde combateu T.E. Lawrence, outra figura mítica, mais conhecido por Lawrence da Arábia, e até mesmo à fronteira de Angola com a Namíbia, na altura uma colónia alemã. Os Combatentes da Grande Guerra não se referem apenas a ideais da metrópole longínqua, mas também a um pedaço de História que decorreu em território angolano.

A estátua de Diogo Cão, o primeiro Português a chegar a Angola, também foi removida, mas o seu pedestal foi deixado intocado. As datas, as quinas do escudo, as coroas e os nomes ficaram lá. A estátua foi desmontada e colocada junto dos velhos aviões da guerra colonial, mirando a bandeira angolana.

Diogo Cão
Diogo Cão (nota: a fotografia original mostrava Paulo Dias de Novais – corrigido em 07/02/2010)

Há uns meses, a Praça 4 de Fevereiro, entalada entre o Hotel Presidente, o Palácio de Vidro, o edifício principal do Porto de Luanda e as obras da baía, foi arranjada e limpa. Os lancis foram pintados de preto e branco ou com as cores nacionais, os coqueiros moribundos foram trocados por uns ainda saudáveis e, coisa estranha, o pedestal da estátua retirada em 1975 foi todo recuperado. Antes parecia um velho pedestal abandonado. Agora parece incompleto.

Pedestal da estátua de Diogo Cão
Só falta a estátua

Se não perderem a estátua durante as obras na fortaleza, não faltará muito para haver outra vez um monumento a uma figura importante da História de Angola.

Acerca do autor

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Nascido no século passado com alma de engenheiro, partiu para Angola, de onde envia pequenos aerogramas.

2 respostas a “Diogo Cam”

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  1. Os novos donos de Angola sempre pensaram que se poderia apagar a história por decreto tal como em qualquer regime totalitário que se preze, seja este comunista ou fascista. O problema é que os factos históricos virão sempre mais cedo ou mais tarde ao de cima.

  2. Caro Sr. Afonso Loureiro

    Sou oficial do Exército, recentemente aposentado, açoriano (ilha de S. Miguel) e, entre outras “ocupações do tempo livre”, colaboro por carolice num pequeno semanário – Terra Nostra – que se publica em Ponta Delgada, onde vivo. Dedico-me em particular às pequenas estórias – sem h – porque não tenho formação académica em História. Hoje fiz, por mero acaso, duas descobertas preciosas, que me apresso a transmitir-lhe.
    Ando há mais de um ano a “investigar” o que se terá passado na minha cidade há 50 e tal anos, porque ainda hoje todos dizem, sem explicarem como e porquê, que a estátua de Gonçalo Velho Cabral, putativo descobridor dos Açores, não é dele. Teria sido trocada pela do Diogo Cão, que era para Angola!
    Comecei a “investigar” por conta própia, vasculhando TUDO o que, de longe ou de perto, se relacione com a estátua do “impostor” e, como se já não bastasse, também “usurpador”, porque a praça onde ele está era para uma estátua, incomparavelmente superior – o Arcanjo S. Miguel, de Numídico Bessone. Vou a caminho da 8.ª crónica e, como sigo a cronologia dos acontecimentos, estou em meados de 1953, quando o ministro das obras públicas ofereceu à cidade um presente envenenado – a estátua do Gonçalo Velho para a dita praça. E, desejos de ministro são ordens para presidente de Câmara. É uma estória com muito interesse local, mas, caso lhe interesse, terei todo o gosto em enviar-lhe os textos e imagens ou as crónicas publicadas
    Hoje, fiz duas descobertas casuais. Num dicionário, verifiquei que o escultor João Fragoso – o autor do Gonçalo, em mármore – também esculpiu um Diogo Cão. E voltei a vasculhar a net, repetindo as aturadas diligências de há um ano e tal, quando calcorreei as praças e largos do Minho a Timor e fiz o levantamento do destino – triste! – dos monumentos.
    Ao repetir a busca, tive a sorte de “tropeçar” na sua página e no DIOGO CAM, publicada em Setembro do ano findo – numa altura em que eu já estava mergulhado de cabeça na Biblioteca pública, nos jornais da década de 1950, e também anteriores – década de 1930, quando se festejou o V centenário da descoberta dos Açores – um perfeito fiasco, para abreviar, e que me dará umas quantas crónicas.
    Fui à net pela enésima vez ver o Diogo Cão de bronze, com o miúdo ao lado, que estava no largo do mesmo nome, saneado em 1975, e que não se parece coisa nenhuma com o Gonçalo.
    Nunca nos passa pela cabeça que possa haver duas estátuas da mesma personagem na mesma cidade!
    Foi aí que ví a estátua do AEROGRAMA e dei um pulo!!!! Mais! Não só a estátua como o texto agarrado, o que frequentemente não acontece.
    Gostaria que visse a do Gonçalo para entender melhor: o “nosso” gonçalo não tem nada de freire e o “seu” Diogo Cão não tem nada de cavaleiro do Infante!
    Gostaria de lhe pedir um favor, se for possível: Verificar se a estátua é do João Fragoso (a do Gonçalo está assinada na base – já fotografei) E, também, se é possível saber em que ano foi inaugurada. A nossa foi encomendada pelo MOP no princípio de 1953 e chegou a Ponta Delgada em 1955.
    Gostaria que me autorizasse a publicar as imagens – estátua às fatias e pedestal – citando a fonte e a autoria, como é óbvio.
    Pela primeira vez em muitos anos, começo a creditar que é possível que aquilo que ouço há décadas – tenho 64 anos – é capaz de ser mesmo verdade.

    Grato pela atenção que dispensar ao assunto,

    subscrevo-me,

    com os meus cumprimentos

    Ferreira Almeida

    Ponta Delgada – Açores

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