Aerograma

Isento de Porte e de Sobretaxa Aérea

12 2009

Habilitações literárias

A falta de quadros angolanos assume dois aspectos importantes. O primeiro é o da necessidade da importação de técnicos do estrangeiro enquanto a escassez de quadros nacionais persistir.

Na maior parte do mundo os emigrantes são aqueles que deixam o seu país para ir fazer noutro aquilo que os seus habitantes já não querem fazer. Trocam má qualidade de vida por um mau trabalho no estrangeiro, pelo menos aos olhos dos outros. Salvo as devidas excepções, quem emigra para um país mais desenvolvido económica ou socialmente, tem poucas habilitações para oferecer para além do trabalho manual.

Em Angola o fenómeno migratório funciona um pouco ao contrário do habitual. Os estrangeiros não vêm para cá fazer o que os angolanos já não querem fazer, vêm cá fazer o que eles ainda não conseguem. Parte das suas funções, mesmo que tal não esteja contemplado nos contratos, é ensinar os angolanos que com eles convivem. Não é paternalismo neo-colonial, é a realidade. A geração que está agora a concluir os seus cursos universitários vai ser aquela que contribuirá decisivamente para a evolução do seu país. Foram os primeiros a poder fazer os seus cursos sem a sombra da guerra.

Ouve-se nas ruas dizer que é claro que os consultores estrangeiros não vêm para a Angola por mil ou mil e quinhentos dólares. A especulação em torno dos preços das rendas e produtos tidos como essenciais para os estrangeiros também tem de ser assegurada nos salários. Em qualquer parte do mundo a lei da oferta e da procura funciona. Se houvesse mais quadros angolanos, a oferta seria maior e os incentivos aos estrangeiros bem menores.

Custa-me, no entanto, ver estrangeiros a desempenhar tarefas não especializadas, como varrer ruas ou abrir valas. O trabalho é o direito de todos, mas por cada varredor importado há um angolano de braços cruzados a pensar como há-de ganhar a vida.

O segundo aspecto da falta de quadros médios e superiores é a desconfiança interna que reina. Os angolanos não acreditam neles próprios. Por vezes preferem contratar estrangeiros porque os acham mais fiáveis, não porque não consigam encontrar um angolano com as competências certas.

Por desconfiança temos também de entender falta de confiança. Não é só suspeitar da falta de qualidades pessoais, assiduidade ou competência, é assumir logo à partida que não serão capazes ou que não existe ninguém qualificado.

Ao invés de se procurar contratar as pessoas mais qualificadas ou competentes baixa-se a fasquia até ao mínimo admissível. Um curso médio ou superior não garante que não se contrate um analfabeto funcional em nenhuma parte do mundo, mas há muito mais probabilidades de o fazer procurando alguém que saiba apenas soletrar. A escola não serve apenas para se aprender a ler e a fazer contas, aprende-se também a viver.

Certificado de habilitações
Requisitos mínimos

Obviamente que os funcionários menos qualificados recebem menos que os outros, mas há alturas em que o que se investe é proporcional aquilo que se recebe em troca.

Se os angolanos não começaram a exigir habilitações mínimas mais elevadas do que as que pedem hoje, não haverá pressão social para que se estude mais.

Acerca do autor

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Nascido no século passado com alma de engenheiro, partiu para Angola, de onde envia pequenos aerogramas.

3 respostas a “Habilitações literárias”

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  1. Viva Afonso.

    Não concordo muito com o teu segundo paragrafo. Aqui na Holanda, a maior parte dos estrangeiros que para cá vem morar tem habilitações muito altas, e vem precisamente porque não se conseguem encontrar equivalentes nacionais. E cada vez mais estou convencido que este pais não e’ uma excepção, pelo menos no Norte da Europa…

  2. O fenómeno da emigração tem mudado bastante nos últimos anos e agora há cada vez mais profissionais que procuram oportunidades melhores noutros países, mas há também muita gente que vem de longe para executar tarefas básicas.

  3. Boa noite,
    concordo quase na totalidade com o que referiu mas também tenho algo a acrescentar, dou-lhe o exemplo do meu marido que embora seja um técnico especializado e esteja a tentar passar formação, o que acaba por acontecer é que começa a trabalhar ás 8 horas e como não há o tal pessoal qualificado acaba por trabalhar 16 h/ 18 h por dia, e sem direito ás tão famosas “horas extraordinárias”!!!!!! Como vê talvez esteja na altura de quem aqui vive e trabalha comece a pensar não só no seu bem estar económico e profissional mas também a investir nas competências profissionais e nas habilitações, custa-me ver a quantidade de angolanos analfabetos, e falo em pessoas de vinte e poucos anos…
    Obrigado pela “riqueza” do seu blog, todos os dias aqui passo para me actualizar.

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