Correndo o risco
Afonso Loureiro
Numa tentativa de melhorar a imagem da cidade aos olhos de quem a visitará no campeonato de futebol, algumas ruas de Luanda estão a ser beneficiadas.
Em torno dos principais hotéis o asfalto novo nas avenidas contrasta com os buracos das tranversais e os riscos pintados de fresco conseguem dar um ar de organização que há muito falta na cidade.
Numa das principais vias da cidade, a Avenida Revolução de Outubro, que liga a Mutamba ao Aeroporto, a circulação fazia-se em três faixas que iam alternando de sentido consoante as necessidades. Duas para cima e uma para baixo e vice-versa, com as motas a furar no meio. O esquema funcionava, embora com as limitações habituais de ser difícil saber a que hora se trocava de sentido na faixa do meio.
A cerca de um mês do final do ano começaram a pintar a sinalização horizontal ao longo da avenida, no trecho que ainda estava em falta, mais ou menos desde o hospital do Prenda. Passaram a existir duas faixas em cada sentido, separadas por um duplo traço contínuo onde agora as motas tentam furar com muito menos à-vontade que anteriormente.
O trânsito, apesar de mais compacto nos dois sentidos, passou a fluir um pouco melhor, sinal de que a rebaldaria do costume em que cada um tenta chegar primeiro que os restantes é contra-producente.
Talvez por falta de hábito, há umas alminhas que continuam a achar que a fila é só para os outros e resolvem ultrapassar todos pela contra-mão, desrespeitando as mais elementares regras de trânsito.
Depois dos riscos pintados, já por duas vezes assisti a esta cena. Na primeira vez, com os carros parados no semáforo, há um esperto, num todo-o-terreno de jantes cromadas e rádio alto, que sai da sua mão para ultrapassar todos e entrar na fila no outro lado do cruzamento. Estava um polícia no cruzamento que não tolerou a esperteza e, muito bem, vendeu um bilhete para o baile da polícia ao condutor. A multa não deve ter sido leve: traço contínuo, semáforo vermelho, desrespeito pelo sinaleiro e chico-espertice. Espero sinceramente que não se tenha deixado convencer com uma gasosa.
Apanhado a ultrapassar as duas faixas da sua mão
Na segunda ocasião, a cena repetiu-se. A manobra, o polícia e a conversa. O mais engraçado era ver o polícia à frente do candongueiro, para que este não arrancasse, a pedir os documentos e o condutor, fazendo-se de inocente, punha fora da janela a licença para transporte de passageiros. O polícia agirava o indicador e dizia que não, que queria ver a carta de condução.
Acredito que as mentalidades hão-de mudar, mas há sempre umas ovelhas ronhosas que acham estar acima da lei.
Ah pois as mentalidades! Essas e outras, porque ainda agora a falar com a metade de mim que já desespera para voar para o Natal, fiquei a saber que esta semana de comemorações ainda tem limitado mais o trânsito com faixas reservadas às comitivas e também me contaram umas cenas anedóticas. Às vezes imagino por exemplo os Gatos Fedorentos a fazerem um programa inspirado nos quotidianos aí.