Aerograma

Isento de Porte e de Sobretaxa Aérea

16  02 2010

Comitiva oficial

Na mairia dos países, cruzarmo-nos com a comitiva do Chefe de Estado costuma ser uma honra. Em Angola é considerado um azar. O Presidente circula apenas em ruas desertas, coisa que não condiz com o estado habitual das ruas de Luanda. Desertas de carros e de peões, que a guarda presidencial se encarrega de manter à distância gritando ordens com cara feia e apontando armas destravadas.

Horas antes de passar a comitiva, espalham-se militares pelas esquinas. Em pontos estratégicos, sempre os mesmos, ficam as metralhadoras pesadas e os lança-granadas. Soldados maiores que a média mostram os arreios cheios de granadas nos viadutos, junto dos inúmeros cunhetes de munições amontoados nos cantos, a antecipar combates prolongados.

A dada altura todos se agitam e começam a cortar o trânsito. As caras fecham-se e as armas agitam-se. Ouvem-se as primeiras sirenes à distância. Pouco depois passam os batedores. Atrás deles vem uma carrinha de caixa aberta com seis ou oito soldados armados com metralhadoras pesadas, armados em Rambo, que nunca conseguirão disparar a direito sem o tripé que não levam. A fechar a comitiva vem o jipe preto de vidros fumados da vigilância electrónica. Surgiu com a visita da Secretária de Estado Norte-Americana e aquela silhueta escura com as câmaras montadas no tejadilho passou a ser presença regular. Pelo meio vêm os carros do Presidente.

Os vários Chefes de Estado que vi passar por mim têm um carro oficial. Haverá mais um ou dois de reserva, mas nas deslocações aparece apenas um. Os restantes são os do protocolo, dos guarda-costas ou dos assessores. Mas a grandeza de Angola até no carro presidencial se nota. O Zé Dú tem não um, nem dois, nem mesmo três viaturas oficiais. Da última vez que contei, eram cinco Mercedes de luxo, certamente blindados, a ostentar a matrícula PR. Durante o trajecto vão trocando de posição, para confundir quem observa e ninguém adivinhar em qual segue o Presidente.

Sinceramente, não sei se é receio de um atentado ou demasiados filmes de espiões vistos pela segurança, mas fica-se com a sensação de que a cena é caricata. Não percebemos a fronteira entre a vaidade de ostentar cinco carros e o medo de que alguém ataque o homem mais poderoso do país.

Mal a comitiva passa, os militares são recolhidos pelos camiões camuflados que esperavam nas ruas laterais. O trânsito acumulado volta a escorrer para as ruas agora abertas e o engarrafamento perpétuo da cidade volta ao normal. O Zé Dú nunca viu um engarrafamento de Luanda. Talvez seja por isso que anda com cinco carros…

Acerca do autor

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Nascido no século passado com alma de engenheiro, partiu para Angola, de onde envia pequenos aerogramas.

Uma resposta a “Comitiva oficial”

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  1. Cenas reais para um filme que não é ficção!

    Maria

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