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25  04 2010

Filmes para maiores de 18

A propósito do aniversário da Batalha do Cuito-Cuanavale e da quantidade de mortos que encheram o Cuando-Cubango na guerra civil, calhou em conversa falar-se das rusgas que um e outro lado faziam para recrutar alguns soldados e muita carne para canhão.

Cinema Miramar
Cinema Miramar

As rusgas cegas eram temidas por todos e as famílias já estavam avisadas que, caso um dos filhos desaparecesse, era bem provável que o tivessem de ir buscar ao quartel, apresentando comprovativos de adiamento de serviço militar.

Um angolano veterano destas andanças contava que em Luanda era arriscado ir ao cinema, especialmente se o filme fosse classificado para maiores de 18 anos. Por vezes acontecia que paravam dois ou três camiões da tropa e esperavam pelo fim da fita. Assim que as portas se abriam começavam a carregar todos os homens válidos. Tinham a garantia de que todos eram adultos e, antes que houvesse tentativas de usar cunhas para se esquivarem à tropa, arrancavam e só paravam no aeroporto, onde eram todos metidos em aviões de carga e, na altura, enviados para o Cuando-Cubango para umas semanas de instrução antes de seguir para a frente. Depois, logo se veria. A única hipótese, contou-me o M., era ficar para o final e rezar para que os camiões enchessem todos. Um verdadeiro filme de terror. Felizmente que agora só enche as memórias dos mais velhos.

Acerca do autor

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Nascido no século passado com alma de engenheiro, partiu para Angola, de onde envia pequenos aerogramas.

5 respostas a “Filmes para maiores de 18”

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  1. Tenho um amigo Angolano que me contava que faziam o mesmo às portas das escolas. Desapareciam amigos que voltavam passado 2 ou 3 anos já com patentes de Capitão ou Major. Outros não voltavam….

  2. Se pensarmos que as promoções não eram por antiguidade, mas por ocupar o posto do oficial que morria, começamos a suspeitar que as ascensões rápidas na carreira eram sinal da perda de muitos companheiros.

    Um amigo angolano, mais novo que o que me contou os episódios dos filmes, lembra-se de terem ido militares à escola dele dizer que também se ensinavam coisas na tropa. Os mais avisados faltaram às restantes aulas do dia antes que chegassem os camiões.

  3. Sou Angolano e apesar de ter vivido o final deste “filme de terror”,lembro-me de um episodio que vale a pena compartilhar com todos os internautas. Estudava eu a 4 Classe numa escola primária nas imediações do Bairro Operário, quando num belo dia ao ir para a escola cruzo-me com uma unidade para-militar: os ODP´s(Organização de Defesa Popular), estacionada numa esquina de um dos prédios da Avenida dos Combatentes. Depois do susto inicial reparo um vintena de Jovens sem camisa e sentados de cócoras, fixei-me nos rostos de alguns deles e via-se nitidamente a tristeza que lhes ia na alma, o desespero e angustia de saber que seriam levados para a tropa. Viro a esquina e depois de andar uns 100 metros cruzo-me com uns moços que param-me e interrogam-me logo de seguida: ” Viste algum ODP ai do caminho que vieste?…. Fala Pioneiro..” Não sei porque carga de água, se por medo ou se emoção respondi um convicto: “Não………. não vim ninguém”!! Ele foram todos felizes, no sentido contrario ao meu, directamente nas mãos dos ODP´s!! Até hoje interrogo-me o que terá acontecido com aqueles jovens. Será que foram apanhados? Será que conseguiram fugir? Sinto um certo remorso por saber que talvez eu contribui para que eles fossem para a tropa!!

  4. Episódios destes marcam a História de Angola, como tantos outros mais agradáveis, e merecem ser contados por quem os viveu.

    Bem haja!

  5. – ò Pai posso ir ver os foguetes?
    – Agora não mete-te debaixo da cama que ja falamos!…
    Quem foram as mãos organizadoras que lucraram com a guerra?

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