Filmes para maiores de 18
Afonso Loureiro
A propósito do aniversário da Batalha do Cuito-Cuanavale e da quantidade de mortos que encheram o Cuando-Cubango na guerra civil, calhou em conversa falar-se das rusgas que um e outro lado faziam para recrutar alguns soldados e muita carne para canhão.
Cinema Miramar
As rusgas cegas eram temidas por todos e as famílias já estavam avisadas que, caso um dos filhos desaparecesse, era bem provável que o tivessem de ir buscar ao quartel, apresentando comprovativos de adiamento de serviço militar.
Um angolano veterano destas andanças contava que em Luanda era arriscado ir ao cinema, especialmente se o filme fosse classificado para maiores de 18 anos. Por vezes acontecia que paravam dois ou três camiões da tropa e esperavam pelo fim da fita. Assim que as portas se abriam começavam a carregar todos os homens válidos. Tinham a garantia de que todos eram adultos e, antes que houvesse tentativas de usar cunhas para se esquivarem à tropa, arrancavam e só paravam no aeroporto, onde eram todos metidos em aviões de carga e, na altura, enviados para o Cuando-Cubango para umas semanas de instrução antes de seguir para a frente. Depois, logo se veria. A única hipótese, contou-me o M., era ficar para o final e rezar para que os camiões enchessem todos. Um verdadeiro filme de terror. Felizmente que agora só enche as memórias dos mais velhos.
Tenho um amigo Angolano que me contava que faziam o mesmo às portas das escolas. Desapareciam amigos que voltavam passado 2 ou 3 anos já com patentes de Capitão ou Major. Outros não voltavam….
Se pensarmos que as promoções não eram por antiguidade, mas por ocupar o posto do oficial que morria, começamos a suspeitar que as ascensões rápidas na carreira eram sinal da perda de muitos companheiros.
Um amigo angolano, mais novo que o que me contou os episódios dos filmes, lembra-se de terem ido militares à escola dele dizer que também se ensinavam coisas na tropa. Os mais avisados faltaram às restantes aulas do dia antes que chegassem os camiões.
Sou Angolano e apesar de ter vivido o final deste “filme de terror”,lembro-me de um episodio que vale a pena compartilhar com todos os internautas. Estudava eu a 4 Classe numa escola primária nas imediações do Bairro Operário, quando num belo dia ao ir para a escola cruzo-me com uma unidade para-militar: os ODP´s(Organização de Defesa Popular), estacionada numa esquina de um dos prédios da Avenida dos Combatentes. Depois do susto inicial reparo um vintena de Jovens sem camisa e sentados de cócoras, fixei-me nos rostos de alguns deles e via-se nitidamente a tristeza que lhes ia na alma, o desespero e angustia de saber que seriam levados para a tropa. Viro a esquina e depois de andar uns 100 metros cruzo-me com uns moços que param-me e interrogam-me logo de seguida: ” Viste algum ODP ai do caminho que vieste?…. Fala Pioneiro..” Não sei porque carga de água, se por medo ou se emoção respondi um convicto: “Não………. não vim ninguém”!! Ele foram todos felizes, no sentido contrario ao meu, directamente nas mãos dos ODP´s!! Até hoje interrogo-me o que terá acontecido com aqueles jovens. Será que foram apanhados? Será que conseguiram fugir? Sinto um certo remorso por saber que talvez eu contribui para que eles fossem para a tropa!!
Episódios destes marcam a História de Angola, como tantos outros mais agradáveis, e merecem ser contados por quem os viveu.
Bem haja!
– ò Pai posso ir ver os foguetes?
– Agora não mete-te debaixo da cama que ja falamos!…
Quem foram as mãos organizadoras que lucraram com a guerra?