Cada coisa no seu tempo
Afonso Loureiro
Muitos dos choques culturais que se tem com os angolanos, como a sua teoria de resolução de problemas, horários estranhos ou hábitos exóticos são devidos à enorme descontracção com que encaram a vida. Há muito que perceberam que os problemas não desaparecem só porque nos preocupamos em demasia, e que a vida é para ser vivida com um sorriso nos lábios em vez de uma úlcera no estômago.
Todos sabem que as úlceras se agravam quando não se presta a devida atenção ao que se come e saltar refeições só por causa da pressão do trabalho é meio caminho andado para a azia constante e umas visitas ao médico para receitas de anti-ácido. Isso explica porque razão é difícil encontrar angolanos a trabalhar logo à hora de abertura dos serviços, porque estão ainda a mata-bichar, a meio da manhã, que foram comer qualquer coisa para compôr o estômago, logo a seguir ao almoço, porque ainda não regressaram e cerca de uma hora antes de saírem, porque foram lanchar e vão direitos para casa sem voltar ao serviço, suponho que para jantar.
Mata-bicho
Tamanha obsessão por evitar ficar de estômago vazio talvez explique o monólogo que um vizinho meu no restaurante manteve com o seu telefone dourado, entre garfadas no funge.
”Eu agora não posso falar. Estou a caminho. Eu ligo quando chegar.”
”Já disse que estou a conduzir. Vou de mota. Não dá para falar.”
”Estou quase a chegar. Ele que espere. Vou de mota. É rápido, rápido.”
”Não, não vale a pena telefonares. Estou a caminho.”
”Yá, até já. Quando chegar eu ligo. Fica descansado que é só mais um bocadinho, que ‘tou quase a chegar. Sem makas.”
Acabei de almoçar, paguei e fui-me embora. Ele continuou sentado a apreciar o funge, enquanto fazia que seguia de mota para o destino. Estava quase a chegar, por isso não valia a pena apressar a refeição, não fosse cair-lhe mal.
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