Teoria angolana de resolução de problemas
Afonso Loureiro
Angola é uma terra cheia de problemas, não há como negá-lo. Tem os mesmos problemas que as outras e depois tem uns só dela. Para os resolver, é necessário manter a calma e concentrarmo-nos nos mais importantes.
Os angolanos são um povo prático e, ao longo dos tempos, desenvolveram e aperfeiçoaram uma teoria de resolução de problemas simples e eficaz, que levam à prática a cada oportunidade que surge. Assenta em princípios simples e não implica dispendiosas acções de formação para que seja transmitida. Cada um aprende fazendo ou vendo fazer.
Em vez de expôr a teoria, vou explicar como se aplica com alguns exemplos, para que se tenha uma ideia de como os angolanos aprendem a usá-la. Mais tarde farei a exposição teórica.
Exemplo 1
Problema:
O vizinho de cima tem um cano roto na casa-de-banho e chove-nos na sala.Resolução:
Batemos-lhe à porta e reclamamos da água.
Ele responde «O problema não é meu. É teu. É na tua sala que chove.»Problema resolvido!
Os menos preparados poderão zangar-se com o vizinho, chamar-lhe nomes e ser até desagradável, insinuando que a mãe do senhor era algo que não honrada. Na verdade, isto não passa de um choque cultural, um daqueles mal-entendidos que acontecem quando não se está perfeitamente integrado numa sociedade diferente. Se aplicarmos a teoria angolana para a resolução de problemas a este caso concreto, a solução é muito mais simples do que se julga.
Exemplo 2
Problema:
O vizinho de cima tem um cano roto na casa-de-banho e chove-nos na sala. Ele diz que o problema é nosso.Resolução:
Partimos o tecto da sala e reparamos o cano roto.
No dia seguinte, ele bate-nos à porta e reclama que não tem chão na casa-de-banho. Respondemos «O problema não é meu. É teu. Já não me chove na sala.»Problema resolvido!
Analisando com cuidado, percebemos que todo este processo assenta no princípio da conservação da energia. A teoria angolana implica que a responsabilidade pela resolução do problema seja canalizada para outrém, não resolvendo de imediato a questão, mas evitando desperdício de energia. Eventualmente, a responsabilidade chegará a alguém que terá de investir mais energia na transmissão da responsabilidade do que na resolução efectiva do problema. Pode demorar um pouco mais, mas acaba por se resolver.
Exemplo 3
Problema:
Os iogurtes comprados no supermercado estavam estragados. Reclamamos. Aplicam a teoria angolana e dizem-nos que o problema é nosso.Ponto de vista do supermercado:
Energia necessária para aceitar a reclamação, receber os iogurtes estragados e trocar por outros, devolver ao fornecedor, preencher papéis: muita.
Energia necessária para recusar a reclamação: desprezável.Ponto de vista do cliente:
Energia necessária para ir ao supermercado, esperar que alguém atenda a reclamação, provar que os iogurtes estavam estragados, esperar pelos novos, regressar a casa e descobrir que também estão estragados: muita.
Energia necessária para deitar fora os iogurtes e comprar outros na loja da esquina: desprezável.Torna-se óbvio que a solução que conserva mais energia é a que segue a teoria angolana de resolução de problemas.
Depois de interiorizarmos esta filosofia de vida, começamos a perceber como Luanda funciona. Os geradores, os depósitos de água, os todo-o-terreno passam a fazer todo o sentido e, na verdade, permitem poupar muita energia que poderia estar a ser desperdiçada em reclamações inúteis.
A rua tem buracos? O problema é teu, compra um jipe!
Não há electricidade 22 horas por dia? Compra um gerador, que não temos nada a ver com isso.
Faltou a água? A culpa é da guerra. Se tivesses depósito, safavas-te…
Ninguém te consegue ligar? Anda com dois telefones.
Os angolanos gostam da sua teoria de resolução de problemas. Poupa-lhes muitos dissabores, pelo menos a curto prazo. Mas o que aconteceria se fosse aplicada pelo resto do mundo em relação a Angola?
O esgoto não tem tampa? O problema é de quem lá cai!
Só mxmo em Angola. Apesar dos apesares eu amo de milhões a minha terra e a minha gente.
Valeu, Afonso… Eu ri 🙂
Caro Afonso,
Há muito que por aqui não passava (e se me agrada passar aqui…).
Parace-me uma forma mais que útil, beber da sua experiência em Angola. Parto para aí em breve (muito breve), para a província do Kuando Kubango, e convém-me preparar o espírito.
Deixo o meu contacto de e-mail. Espero que nos possamos comunicar e partilhar experiências
Um abraço
A teoria do “deixa andar, para quê complicar?”… O conformismo num dos seus estados mais puros..
Deliciosa análise…Oportuníssima foto…
Adorei o post!
De fato, a lei do menor esforço é como a lei da gravidade: inexorável. Aqui como em todo lugar.
A deficiência da T.A.R.P. (teoria angolana de resolução de problemas) é o timer utilizado.
Explico:
O marcador do nível de energia requerida em cada situação funciona corretamente, mas fator temporal não é considerado na aferição do resultado. Aqui só tem o D+0.
Por exemplo:
No D+0:
Energia dispendida para procurar uma vaga para estacionar: grande.
Energia necessária para estacionar na porta da garagem do vizinho: desprezível.
No D+1 a equação muda:
Energia necessária para encontrar o vizinho e convencê-lo a tirar o carro que ele estacionou nde propósito na porta da sua garagem por revide, para bloquear a passagem e impedir que você saia com o carro: Muita.
Energia necessária para procurar uma vaga: desprezível. Você nem conseguiu tirar o carro da garagem.
Mas aí, de quem é o problema?
Resolvido!
Em face da teoria exposta, sou forçado a concluir que Lisboa é uma cidade angolana. Por exemplo:
Problema
Um automoblista quer estacionar o carro.
Resolução
Em vez de procurar um lugar para estacionar, põe o carro em cima do passeio, obstruindo a passagem de tudo e todos, sobretudo dos deficientes.
Problema resolvido!
Através do meu primo Ricardo (muamba, banana e cola) tenho lido este Aerograma e confesso que dentro do humor com que escreves, esta TARP está excepcional. De facto, as coisas são muito próximas do que de forma corrosivamente humorada descreves. Parabéns pelo teu blog, passa pelo meu, vou linkar o teu… Abraço.
Talvez aqui tenham aprendido algo com alguns Portugueses.
O meu vizinho de cima já me inundou a casa 4 ou 5 vezes, e o problema é sempre meu!
Post bem divertido e pertinente … temos mesmo de levar este país com humor, sem stress e sem comparações ao 1ºMundo…senão, não há expatriado que resista.
Kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk,
Esta teoria e estes exemplos explicam muito bem, a grande empatia entre angolanos e brasileros!
Acho que vou me adaptar logo (apesar, é claro, de não coadunar com tais práticas,rsrs).
E há ainda aquela frase lapidar para quando tudo o mais falha “Vamos fazer mais como então?! É o problema que estamos com ele!…”