O carro do tio de Luanda
Afonso Loureiro
Luanda, durante muitos anos, foi refúgio de guerra mais ou menos voluntário para os angolanos. Uns fugiram para a capital, outros foram para lá empurrados, juntando milhões de refugiados a algumas centenas de milhar de habitantes originais. A cidade foi crescendo em círculos concêntricos, com as casas a apertarem-se cada vez mais umas nas outras à medida que se aproximam das avenidas asfaltadas.
A guerra acabou há quase uma década, mas as pessoas não deixaram de vir para Luanda. A reconstrução do país não é instantânea e entre ficar numa terra desolada na província ou aproveitar a circulação mais facilitada pelas estradas sem patrulhas militares e partir para a cidade grande, a escolha é óbvia. Por muito mal que se viva em Luanda, é melhor que no interior, com minas e abandono, pensam as gentes.
O fascínio que Luanda exerce nos angolanos, apesar de todos saberem que é desumana, suja e corrupta, é tão forte que a trocam por tudo. Luanda é sinónimo de dinheiro e oportunidades para todas as classes sociais.
Há tempos ouvi a história de Evandro, um jovem desempregado que morava nas terras do sul, no município de ‘Njiva. A sua aldeia era das mais pequenas da região e não podia crescer mais, pois as últimas casas estavam no limite da chana que todos os Verões se alaga durante umas semanas. Numa terra sem oportunidades, nem sequer para construir uma casa, esperava apenas um motivo para partir.
Tinha um tio em Luanda que há vários anos não dava sinais de vida, de tal forma que o tomavam como morto. Certo dia souberam que estavam enganados e que o tio tinha estado vivo até à semana anterior, altura em que foi atropelado por um candongueiro na estrada de Viana.
Nem tudo eram más notícias, porque tinha deixado uma herança substancial – um carro e um negócio de entregas. Evandro, apesar de não ser o herdeiro mais directo, foi o que se mostrou mais entusiasmado e resolveu partir para tomar conta do negócio e, acima de tudo, do carro, que até lhe fazia brilhar os olhos. O pai aconselhou-o a que vendesse tudo e regressasse, mas o fascínio de Luanda foi mais forte. O tio tinha ido para a cidade e a vida correu-lhe tão bem que até já tinha um carro. Ele, mais novo, havia de conseguir ser ainda mais bem-sucedido.
O carro do tio
Partiu para Luanda, gastando todas as economias da família em passagens de autocarro e táxis. Na altura, as estradas estavam em tão mau estado que demorou mais de uma semana a cruzar o Kwanza e entrar na cidade pela curva do Morro dos Veados, de olhos esbugalhados. Seguindo as indicações pouco precisas dadas na descrição da herança, acabou por encontrar a rua certa, no bairro da Terra Nova, encostada à linha de comboio.
De pergunta em pergunta encontrou a casa do tio. Não era a casa luxuosa que tinha imaginado, nem tão grande. Na verdade, era mais pequena que a da aldeia. Pedras grandes seguravam um telhado de chapa com muitos furos e as paredes de blocos velhos começavam a entortar. A notícia da morte do tio tinha resultado num verdadeiro saque da casa das coisas mais pequenas no tempo que o Evandro demorou a chegar. Dormiu na cama sem colchão, com um lençol emprestado pela vizinha. No dia seguinte trataria de ver o carro que lhe enchia os sonhos. Já se imaginava a conduzir o bólide vermelho com uma risca preta na porta e umas rodas bonitas.
Acordou e perguntou pelo carro do tio. Apontaram-lhe para umas tábuas pregadas com uma roda na ponta. Julgou que estavam a gozar com ele. O tio estava em Luanda há muitos anos e já era rico. Queria ver o carro. Era aquilo, diziam-lhe, de madeira e com uma roda só. Não era vermelho, nem tinha portas para ter riscas. Era só o carro de mão com que o tio ganhava a vida a entregar cimento do armazém do libanês.
O carro do tio
Desesperado com a sua sorte e não sendo capaz de enfrentar a família ao regressar de Luanda de mãos a abanar depois de tanto investimento, pegou no carro do tio e continuou o seu negócio de carregador. Percebia agora que tinha sido a vergonha de ter sido iludido por Luanda que fez o tio deixar de dar notícias. Seria também por isso que ele não as daria.
Nos anos 50’s havia muitos desempregados brancos em Luanda recem chegados do Puto.
E o ponto de encontro desses brancos era na Biker onde havia espeço, mesas de bilhar e até crédito para tomar um café ou um fino.
Numa porta de retrete sempre imunda, dessa biker, alguem escreveu: ÁFRICA, MEU DEUS, QUE ILUSÃO!
Esse Cuanhama, da N´Giva, antiga Pereira D´Eça, onde eu já fui feliz em tenda de campanha, terá uma porta de retrete para desabafar?
ahahahahahahahahahaha. Que engraçado… pena que é a realidade nua e crua
Aí como aqui…
contar com os sapatos do defundo!
Trabalhei no ex-BANCO DE ANGOLA EM N’GIVA. Tenho saudades dos cuanhamas, da terra, duma terra imensa, a perder de vista, sem mais nada para dar, salvo capim para o gado. Nada de industria, nada de pensões e muito menos de hoteis, nada de nada – só o bar do açoreano, as finanças, e a estrada para a Huíla ou para a Namíbia, com o controle em Santa Clara.Era giro ver o atravessar o arame farpado da Naminbia pelas escadas. Gostava de aí voltar, sentir a imensidão da liberdade…