Memória destruída
Afonso Loureiro
Estava para escrever este artigo desde finais de Junho, altura em que me deparei com os arquivos da Quinta Nova abertos e o seu espólio a ser carregado para um grande contentor verde prenunciador de destruição. Fui adiando, até que uma reportagem do Público, relatando o facto consumado, o tornou inevitável.
A Quinta nova foi, durante anos, o viveiro da Junta Autónoma das Estradas (JAE). Na altura em que o Estado cuidava das estradas, era daqui que se transplantavam os loendros para os separadores das auto-estradas e as árvores para as bermas das estradas nacionais. Depois veio a febre das privatizações, de fazer dinheiro rápido ao concessionar a manutenção das estradas a privados por várias décadas, a um custo muito superior ao real e, acima de tudo, superior ao recebido.
Abandono
Pode-se argumentar de que assim a entidade estatal responsável pelas infra-estruturas rodoviárias é menos vulnerável à corrupção, situação que levou à extinção da JAE e criação de três novos organismos, com as mesmas pessoas e idênticos vícios. Na verdade, a corrupção a esse nível triplicou e foi acompanhada por corrupção mais refinada, em esferas mais altas, como prémio pelos excelentes negócios que as empresas fazem à custa do património estatal e que depois se orgulham de ter como presidentes honorários e directores de topo antigos ministros.
Abandono
Com a extinção da JAE, a Quinta Nova passou para as mãos das Estradas de Portugal (EP). O edifício principal sofreu obras profundas, para albergar a sede distrital da EP. Isto passou-se em 2007. Menos de dois anos volvidos e a propriedade foi abandonada, com a transferência da referida sede para Almada, numa manobra que só se pode chamar de criminosa para a Fazenda Pública.
Pedaço de memória
Para trás ficou um arquivo que remontava aos primórdios do Estado Novo, com documentos da década de 1930, onde se guardaram documentos importantes e outros, que talvez o pareçam menos agora, mas que seriam preciosos para historiadores futuros.
Relação de material abatido em Fevereiro de 1937
Poderá parecer um preciosismo fútil, desejar que se arquivem as requisições de material, os relatórios de acidentes de trabalho ou os mapas de trabalho de há um século, mas esta é a única maneira de preservar a memória e de poder rebater aqueles que dizem “Nunca antes se fez assim”. Destruir a memória é reescrever a História. Preservando apenas parte dos documentos, apaga-se parte do Passado, as fundações do Futuro.
Portugal enxovalhado
Talvez um relatório de abate de material possa parecer demasiado insignificante para se preservar, mas há que relembrar um episódio que mostra como as memória mais insuspeitas podem ser cruciais para a compreensão da História. Com a destruição da Casa da Índia no terramoto de 1755, perdeu-se grande parte dos documentos que relatavam as primeiras viagens ao longo da costa africana da expansão Portuguesa. Com base nos registos restantes, acreditava-se que o número de viagens fosse muito reduzido, mas tal noção foi desmentida quando se encontrou uma nota encomenda de várias toneladas de biscoito (bolachas grandes e duras para consumo no mar em viagens longas). Tamanha encomenda só pode significar que o número de expedições era muito maior que o indicado pelos documentos sobreviventes.
Dizem que parte dos documentos foi destruída e outra preservada. Que parte restou? Que critérios usaram? Quanto empobreceu a nossa memória?
O Mesmo aconteceu quando do incêndio que deflagrou no edificio onde hoje se situa a biblioteca de Queluz.
Quando pedi para consultar os arquivos da Junta de Freguesia de Queluz com vista à conclusão do Blogue sobre que foram as entidades que deram o seu nome às ruas de Queluz fui informada pelo seu presidente que os arquivos contendo essa informação tinham ardido, não restando qualquer informação sobre o assunto.