Paranóicos oficiais: Não beba água radioactiva!
Afonso Loureiro
Quer queiramos ou não, Portugal é um país pequenino e afastado dos principais palcos mundiais. Até mesmo a sua importância geo-estratégica em caso de guerra na Europa ou no Médio Oriente se perdeu. Hoje em dia os aviões em trânsito da América para a Europa não precisam de fazer escala nos Açores ou Lisboa e dependem exclusivamente das "mamadeiras", que os abastecem em pleno voo.
A reduzida dimensão geográfica, que lhe permite apenas inaugurar a categoria de Estados com representação maior que um ponto nos mapa-mundi, e relativa pouca importância a nível da política mundial, não devem ser tomadas como fraquezas ou inconvenientes. É graças a elas que se garante a improbabilidade de que uma guerra ou ameaças terroristas cá cheguem sem aviso.
Por outro lado, em caso de catástrofe natural, mesmo as populações isoladas conseguem atingir os centros urbanos mais próximos em menos de um dia de viagem a pé. Os cenários apocalípticos dos filmes americanos, com milhões de pessoas presas numa cidade a centenas de quilómetros da segurança, são impossíveis por cá, novamente devido ao reduzido tamanho do país.
Daí que não perceba, de todo, porque razão o Ministério da Agricultura, em parceira com o Conselho Nacional do Planeamento Civil de Emergência e outras instituições, tenha publicado uma brochura retirada directamente de um manual de sobrevivência da Guerra Fria, recomendando que todos tenham em casa mantimentos para duas semanas e uma mochila para cada membro da família com água e comida para três dias sempre pronta para uma fuga apressada.
Reservas alimentares de emergência
Não é o pensar em teorias da conspiração sobre o que saberão estes senhores a mais que nós, nem no caricato que é não saberem adaptar as paranóias de outras paragens à dimensão portuguesa que me assusta. Assusta-me sim, o facto de alguém ter achado que isto é importante, de ter gasto tempo e dinheiro a alimentar correntes paranóicas de calamidades que necessitem de manter as populações fechadas em casa.
Neste mundo há malucos para tudo, que podem exercer onde e quando muito bem entenderem, mas apenas até ao ponto em que começam a tentar impôr a sua pancada aos outros. Este folheto só pode ser a obra de um destes malucos à solta, incapaz de distinguir a fantasia da realidade.
Esteja pronto para fugir
Entre muitos conselhos úteis para os fãs de filmes catastrofistas ou aficcionados das técnicas de sobreviência, recomendam o consumo de água sem contaminação radiológica ou química. Suponho que se refiram à causada por explosões nucleares ou emprego de armas químicas, porque água naturalmente radioactiva ou tratada quimicamente é coisa que por cá não falta.
Acrescentam ainda que se deve abastecer esta mochila não só com comida, mas também com pratos, talheres e copos descartáveis, bem como uma panela e ração para os animais domésticos. Pratos e copos descartáveis? Para poupar água a lavá-los? E a panela, fica suja? E quando se acabarem, come-se do chão ou da tigela do cão?
Virá aí um recolher obrigatório?
Se este folheto surgisse nos EUA, não ficaria surpreendido, afinal de contas, foi lá que a fita isoladora esgotou quando o Presidente Bush a recomendou como protecção contra as cartas com antraz. É por lá que os furacões e inundações deixam cidades isoladas a centenas de quilómetros do auxílio mais próximo e o medo patológico de uma guerra nuclear contra os maus ainda persiste.
Com tanto sítio onde gastar dinheiro, este folheto não só parece pouco apropriado, como chega mesmo a ser ridículo. Se esta entidade está tão preocupada com eventuais emergências desta ordem, que crie centros de abastecimento regionais, já que o país é suficientemente pequeno para que as pessoas, em último recurso, lá possam chegar a pé.
Coisas importantes a reter: Prepare-se para ficar fechado em casa grande parte de um mês ou para fugir com dez segundos de aviso e, sobretudo, não beba água radioactiva!
Só podem estar a gozar com o contribuinte!
Há uns meses, li um aviso desses e fiz logo a minha mochila. Meti lá duas sandes de fiambre e queijo, uma maçã, uma garrafa de água de meio litro, um iogurte de banana/morango do Pingo Doce e, para uma salada russa, uma lata de atum, o feijão frade, ovo cozido, batata cozida, cenoura e cebola picada. Tá tudo bem embrulhado e em local fresco.
O Afonso acha mesmo que a fita cola é mesmo fundamental por causa do Antrax? Se calhar é melhor meter azeite e vinagre para temperar a salada, certo?
Azeite e vinagre em doses individuais! É essencial que assim seja, por causa da contaminação radiológica.
Eu também fui a correr fazer a mochila e hoje vou fazer um passeio no campo para ver se os mantimentos escolhidos são suficientemente nutritivos. Vou também experimentar os fósforos um a um.
Mas depois não sei se possa regressar a casa. Quem sai com a mochila de emergência deve ingressar numa vida de ermita ou, no mínimo, sem-abrigo.
Caro, não é porque somos um pontinho no mapa mundi que não pertencemos à OTAN (NATO, para os puristas). Ora, é justamente porque o país é membro da OTAN que tem de fazer o que foi decidido em conselho, tal e qual como acontece com a União Europeia. Digamos que este folheto é o equivalente a transpor legislação comunitária. Apenas isso. E se a explosão de um reactor nuclear em Espanha não é suficiente para me assustar (muito, que a probabilidade existe mas confio que nuestros hermanos não dormem a sesta nesses locais), posso dizer-te que o facto de terem andado a organizar cimeiras nos Açores aquando da 2ª guerra do golfo chega para me pôr os cabelos em pé. Abraço!
De facto, essa cimeira foi um dos pontos mais baixos de Portugal nos últimos nove séculos.
Estão a me ocorrer duas observações.
A primeira, para não se esquecerem de botar na mochila o passaporte e um colete inflável.
A segunda, é que o post foi publicado no blog errado.
Sim, foge um pouco à linha habitual, mas o folheto foi algo tão inusitado, que tive mesmo de desopilar o fígado.
Concordo…este post era digno do Perguntas Parvas…