Porto Outonal
Afonso Loureiro
O Porto é, para mim, uma segunda casa, uma cidade de afectos construídos ao longo de um ano inteiro de visitas semanais. Já não são só os laços familiares que me lá prendem. Há ruas e edifícios que reconheço da memória de uma visita e a própria atmosfera particular da cidade, que alguns dizem ser sombria ou até mesmo cinzenta, me parece ser perfeitamente ajustada.
Ao contrário de Lisboa, cidade que vive dos dias luminosos de Verão, aqui, as fachadas revestidas a azulejos escurecidos e o granito cinzento dos cunhais e monumentos parecem cinzentões nos dias ensolarados, aqueles em que os turistas visitam a cidade. O Porto precisa ser visto com a luz adequada, a dos dias de Outono, com chuva miúda batida pelo vento que arrasta as folhas amarelas e vermelhas dos plátanos. O contraste das pedras cinzentas e paradas com as folhas coloridas esvoaçantes cria uma atmosfera única, em que o desconforto do clima é compensado pelo lavar de olhos da paisagem urbana.
Portas, como não poderia deixar de ser
Sob esta luz especial, até os pecadilhos de novo-riquismo da pequena burguesia se desculpam, como as portas suficientemente altas para poder entrar um piano de cauda, moda de há um século que hoje marca muitas fachadas da cidade.
Talvez por isso sinta que o Porto é uma cidade Outonal, que só se revela verdadeiramente nesta estação, em que a Torre dos Clérigos parece mais alta quando desaparece no céu cinzento, com as fachadas de azulejos das igrejas lavadas do pó que se acumulou no Verão e que as vielas húmidas pareçam estar apenas húmidas porque o céu assim o ditou com gotas grossas. Ou que as frentes dos edifícios com os seis metros de largura regulamentares pareçam tão encolhidas como o frio vindo do rio nos faz sentir.
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