Aerograma

Isento de Porte e de Sobretaxa Aérea

03 2011

Rafeiro de segundo plano

Sempre que vejo um filme antigo dou por mim à procura do rafeiro de segundo plano, o cão que consegue, como que por artes mágicas, intrometer-se nas cenas mais sérias.

Pode parecer inacreditável, mas poucos são os filmes até meados do século passado com cenas rodadas no exterior em que não haja um cão de ar perdido a passear atrás dos actores, ignorando as barreiras impostas aos peões e, com todo o desplante, cheirar os locais dos quais é habitualmente corrido. As pessoas, espectadores e técnicos, prestam atenção à rodagem do filme. O cão é invisível por uns minutos.

Quase sempre, deixo de prestar atenção à história e tento imaginar o que fará o cão a seguir. Pormenores destes, que dão uma autenticidade absoluta ao cenário, estão fora do alcance do melhor cenógrafo, a menos que esteja disposto a convencer o realizador a contratar um cão amestrado que não comprometa o trabalho dos restantes actores.

Rafeiro de segundo plano «Vidas sem rumo» (1956), de Manuel Guimarães, com Artur Semedo como Meia Lua e respectivo rafeiro de segundo plano

Nos filmes rodados em estúdios sem cenografia mais evoluída que um fundo de cor uniforme para mais tarde ser substituído por imagens de computador, estas quatro patas de espontaneidade estão ausentes. Não seria má ideia sugerir que incluíssem a rotina de rafeiro avulso para compôr as cenas. Mal por mal, o resto é quase tudo animação digital.

Acerca do autor

1

Nascido no século passado com alma de engenheiro, partiu para Angola, de onde envia pequenos aerogramas.

Deixe uma resposta

Nota: Os comentários apenas serão publicados após aprovação. Comentários mal-educados, insultuosos ou desenquadrados serão apagados de imediato.

« - »