Rafeiro de segundo plano
Afonso Loureiro
Sempre que vejo um filme antigo dou por mim à procura do rafeiro de segundo plano, o cão que consegue, como que por artes mágicas, intrometer-se nas cenas mais sérias.
Pode parecer inacreditável, mas poucos são os filmes até meados do século passado com cenas rodadas no exterior em que não haja um cão de ar perdido a passear atrás dos actores, ignorando as barreiras impostas aos peões e, com todo o desplante, cheirar os locais dos quais é habitualmente corrido. As pessoas, espectadores e técnicos, prestam atenção à rodagem do filme. O cão é invisível por uns minutos.
Quase sempre, deixo de prestar atenção à história e tento imaginar o que fará o cão a seguir. Pormenores destes, que dão uma autenticidade absoluta ao cenário, estão fora do alcance do melhor cenógrafo, a menos que esteja disposto a convencer o realizador a contratar um cão amestrado que não comprometa o trabalho dos restantes actores.
«Vidas sem rumo» (1956), de Manuel Guimarães, com Artur Semedo como Meia Lua e respectivo rafeiro de segundo plano
Nos filmes rodados em estúdios sem cenografia mais evoluída que um fundo de cor uniforme para mais tarde ser substituído por imagens de computador, estas quatro patas de espontaneidade estão ausentes. Não seria má ideia sugerir que incluíssem a rotina de rafeiro avulso para compôr as cenas. Mal por mal, o resto é quase tudo animação digital.
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