A Tempestade
Afonso Loureiro
Marcando o final de um mês de Abril que quase não fazia jus ao nome, uma tempestade de chuva, relâmpagos e granizo saldou as habituais promessas de pluviosidade primaveril.
O dia começou abafado, com aquele calor desconfortável que precede as trovoadas. A meio da tarde o céu escureu rapidamente e as primeiras gotas de chuva depressa deram lugar a granizo com pedras que cresceram até ao tamanho de berlindes.
As muitas toneladas de gelo que caíram nos minutos seguintes fizeram a temperatura baixar cerca de quinze graus em menos de meia hora. As folhas e rebentos das árvores, nascidos há poucas semanas, foram arrancados e arrastados pelo vento e pela água, deixando muitos carros quase camuflados de tantas folhas coladas nas portas e tejadilhos. As ruas no fundo das encostas, especialmente as que seguem ao longo de antigos leitos de ribeiras, encheram-se de lixo, folhas, água e gelo.
A enxurrada vinda da urbanização do Alto dos Moinhos, da zona do Califa e das transversais à Conde de Almoster encheu por completo o quarteirão da estação de correios da Estrada de Benfica. A pequena praceta em frente, que serve de parque de estacionamento aos moradores, transformou-se num lago com carros e caixotes do lixo a flutuar em vez de patos e barcos.
Rio da Estrada de Benfica
Na altura dirigia-me para esse quarteirão. Nas ruas circundantes, a água ainda não cobria os lancis e corria relativamente devagar, mas naquela parecia um rio. Parei o carro numa praceta fora da corrente, em cima do passeio já submerso, perfeitamente consciente que o carro não seria capaz de por ali navegar. Saí e fui espreitar à esquina como estava a rua seguinte.
Seguindo pelo passeio, junto às montras, consegui avançar alguns metros sem molhar muito os pés. O panorama era desolador. Vários carros flutuavam de encontro aos sinais de trânsito ou outros carros estacionados. No meio da rua, três condutores que arriscaram demasiado viam-se presos nos carros sem saber o que fazer. A cada mão-cheia de minutos, outro condutor muito audaz ou apenas estúpido avançava rua abaixo, directamente para o lago, certamente imaginando que conduzia uma lancha. Quando o motor parava, afogado, aí sim, preocupava-se, deitava as mãos à cabeça e olhava em volta, para a água a subir e os carros a nadar no remoinho.
Depois de esgotada a água avaliam-se os prejuízos
Por muito que os peões acenassem e gritassem para que não avançassem, havia condutores, certamente hipnotizados pela cadência dos limpa-pára-brisas, que pareciam pôr palas nos olhos e repetir para si mesmos, como se de uma fórmula mágica se tratasse, "Tenho um cacilheiro. Tenho um cacilheiro." Teimavam que haveriam de passar até ser tarde demais e se verem presos na água gelada. Só deixaram de tentar a loucura depois da polícia lhes barrar a passagem, mas, mesmo assim, insistiam na urgência que tinham em passar precisamente por aquela rua.
As sarjetas, mesmo que não estivessem irremediavelmente entupidas como é costume, foram incapazes de dar vazão a tamanho caudal. Lojas e garagens ficaram inundadas, alguns túneis da cidade transformaram-se em piscinas e o gelo foi-se acumulando por todo o lado. Parou de chover por volta das seis horas, duas horas depois de ter começado a tempestade. Pelos estragos que causou, poder-se-ia pensar que tivesse sido mais longa.
Gelo acumulado
Depois de esgotada a água, sobrou gelo em tamanha quantidade que parecia formar bancos de neve. Nalgumas ruas atingiu alturas superiores a meio metro. Demorará até que derreta todo, mesmo com os bombeiros e cantoneiros a usar agulhetas e escavadoras.
Nas terras agrícolas em redor da cidade as culturas de primavera também sofreram grandes estragos, mas parece que, felizmente, o grosso da tempestade se restringiu às zonas urbanas.
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