Por terras de Basto
Afonso Loureiro
As estradas que levam os automóveis a todo o lado e a omnipresente televisão quebram o isolamento que os vales e as serras impunham, diluindo as fronteiras que a toponímia insiste em preservar. As regiões definidas por diferentes costumes e tradições esvaziaram-se de significado. As pessoas mudam de ares com tanta facilidade que as gentes de cada aldeia e vila se tornam mais iguais a todas as outras.
Em Mondim de Basto
Ainda assim, a toponímia antiga esclarece-nos quanto à localização das terras, porque estas são, para já, incapazes de se fazer à estrada, um pouco como as árvores, que se agarram tenazmente às raízes. Amiúde, as regiões herdam o nome do principal rio que por elas passa.
Quase sempre são os rios mais importantes que dão o nome à região. Algumas das mais célebres são as do Ave, do Corvo, do Douro, do Liz e do Tejo, mas há excepções, como acontece nas Terras de Basto, que devem o seu nome não ao Rio Tâmega, importante rio internacional que passa pela cidade de Chaves, mas ao Rio Basto, um pequeno afluente deste último.
A Região de Basto resume-se a quatro Concelhos e, apesar de pequena, tinha uma identidade muito própria, encravada entre as serras da Cabreira e do Alvão. Hoje em dia, como tantas outras, perdeu muito da sua singularidade e, em termos humanos, confunde-se agora com grande parte do Minho e Douro Litoral.
Mondim de Basto
A cidade de Mondim de Basto fica encavalitada numa pequena elevação à beira da foz do Rio Cabril, e o Rio Tâmega separa-a do Concelho de Celorico de Basto. Por aqui a água nunca falta, como atestam as levadas que se vêem à saída da cidade, mas, segundo dizem os mais velhos, a terra arável não é muita nem das mais férteis. Os cereais eram produzidos nos Concelhos vizinhos e trazidos para serem moídos nas muitas azenhas que juncam os vales em redor da cidade, junto dos rios ou das levadas. As últimas azenhas deixaram de funcionar há poucas décadas e nos Moinhos de Piscaredo há um interessante conjunto de ruínas de azenhas que aproveitavam a água umas das outras.
Levada do Piscaredo
Nem sempre a ideia de que as povoações resistem à mudança de hábitos está correcta. O plano de construção de barragens ao longo de todo o curso do rio Tâmega irá tornar grande parte dos vales que conferiram as características únicas da região em grande albufeiras. Grande parte da memória da sua identidade perdura nestes vales, nos monumentos, nas pontes medievais, nos caminhos rurais e nas casas com traça característica.
Uma visita urgente à região impõe-se. Dentro de poucos meses, a Barragem do Fridão fechará o vale a montante de Amarante, escondida por uma curva do Tâmega. Os vales de Celorico, Mondim e Cabeceiras começarão a ser limpos de árvores e matos, e alguns monumentos, muito poucos, desmontados e mudados de sítio. A Senhora da Graça, etapa de montanha incontornável da Volta a Portugal em Bicicleta passará a dominar um lago em vez de vales pedregosos.
A ponte sobre o Rio Cabril
O delicioso vale do Cabril, cheio de velhas azenhas e bosques à beira-rio deixará de existir, bem com a sua ponte medieval. Talvez a desmontem e reconstruam noutro lugar, como fizeram com o Cromeleque do Xerês, em Évora. Pode-se dizer que é melhor que nada, mas o património sem contexto fica sempre coxo.
Algumas aldeias, encarrapitadas em pequenas colinas, passarão a ser ilhas. Muitas estradas e pontes terão de ser construídas em substituição das que ficarem submersas e, à primeira vista, o impacto social desta barragem será muito maior que os das Barragem de Alqueva e Vilarinho das Furnas, que implicaram a destruição de duas povoações, mas se localizavam em zonas menos povoadas.
As gentes da terra não querem a barragem. Mondim vive muito do turismo e albufeiras há muitas. A principal escola de canoagem de águas bravas do país, a Pista do Fridão, será destruída, no seu lugar está prometida uma pista artificial para daqui a alguns anos – se a chegarem a construir. Por outro lado, as gentes da terra querem mais electricidade e empregos durante a construção da barragem. Não se pode ter tudo e o progresso nem sempre chega sem custos.
A idéia era fazer “parapent” na Senhora da Graça, com uns amigos, mas o vento não deixou e as crianças optaram pela piscina de Mondim.
Foram belos passeios que fiz por Terras de Basto e ainda hoje lá volto com regularidade. Pelos amigos e pela gastronomia! Cabeceiras é a eleita mas à volta tudo é bom.
Fiquei com saudades. Obrigada