Os holandeses e as vedações
Afonso Loureiro
Tenho vindo a descobrir que a terra molda mais o carácter das pessoas do que imaginava. A paisagem mais ou menos acidentada, a dureza do solo e o curso dos rios exercem uma influência semelhante à da língua na forma como determinam a maneira de pensar. Talvez seja até o meio que nos rodeia que acabe por moldar a língua que, por sua vez, nos baliza as ideias.
Há conceitos que parecem perfeitamente naturais para certos povos mas que para outros não passam de exotismos improváveis, especialmente quando esses outros tentam lê-los no contexto da sua terra natal. O melhor exemplo que disso conheço é a primeira reacção dos holandeses aos muros de pedra solta que rendilham grande parte do Portugal rural.
Nos idos de 2001, mais ou menos por altura dos atentados em Nova Iorque, estava nos Açores. Connosco viajava um estudante holandês, que falava inglês com um sotaque escocês digno de Sean Connery. Estava fascinado com a fabulosa ineficiência dos muros de negra rocha vulcânica que transformam a metade ocidental da ilha Terceira numa manta de retalhos verde.
Perguntava-nos porque razão faziam os portugueses muros de pedra tão altos. Deviam ser caros e demorar muito a construir. Uma vedação de arame ou madeira, como as que se faziam na Holanda, seria muito mais prática, barata e, sobretudo, eficiente.
A custo, tentámos explicar que os muros não serviam apenas para delimitar as parcelas. Os campos não arroteados tinham mais pedras que mato e antes de se poderem cultivar era necessário ir empilhando as pedras em algum lado. Os muros altos, explicámos, servem também para proteger as culturas dos ventos fortes e grandes variações de temperatura, tal como se faz nas cepas do vinho do Pico.
Para nosso desalento, não se mostrou convencido. Os nossos muros eram o paradigma da ineficiência quando comparados com as ordeiras vedações holandesas. Contrapunha todos os argumentos a favor dos muros com um displicente «Ainda assim…» A teimosia durou até que viu uma horta que não tinha sido limpa de pedras. Dois pés de couve galega cresciam no meio de um imenso pedregal de bombas vulcânicas, em pequenos caldeiros de pedras mais arrumadas. Entre as restante não cresciam ervas nem se conseguiam pôr os pés. Depois de alguns passos desiquilibrados sobre as rochas de arestas afiadas começou a perceber a utilidade dos muros e deixou de nos falar da sua ineficiência.
Muros de Vilar Maior
Poderia pensar que este holandês era um caso isolado, mas eis que, passada uma década, oiço o mesmo argumento de um holandês diferente. «Estes muros são bonitos, mas não são muito caros? Porque não fizeram uma vedação de arame ou madeira?»
Parece-me que quem cresce numa terra sem rochas maiores que calhaus rolados é incapaz de imaginar que as haja noutras partes do mundo, especialmente em grupos de mais de duas. Pilhas de pedras não conceitos estranhos e pilhas a formar muros é coisa inconcebível. Na Holanda, diz-me ele, há vedações de madeira que se espetam na terra com um martelo. São muito mais eficientes e devem demorar menos a fazer que estes nosso muros.
já o holandes,ou será neerladês,tem catarro.Largar postas em terreno alheio ??
Desde que não teime em substituir os muros por vedações de bonito arame holandês…
Espanta-me mais ainda (e não deveria) quando sou eu no papel destes holandeses. Numa visita recente à República Checa, espantou-me sobremaneira o aspecto típico dos castelos por lá. Castelos com origem nos séculos XII e XIII, são hoje palácios, montados em cima daquilo que foram muralhas de pedra, como as temos por cá. Muralhas rebocadas são perfeitamente comuns, bem como decorações em relevo fingido e “grafittis”. Mas, num país onde o aquecimento é obrigatório, há pouca condescendência à permeabilidade da rocha ao frio e humidade. Há muito que por lá existem janelas duplas, algo que por cá ainda era um luxo há poucos anos…
São as vantagens e desvantagens de se ter este nosso clima. Construímos as casas para o Verão e tiritamos no Inverno. Lá não se podem dar a este luxo e constroem-nas para o Inverno.