Alcatruzes
Afonso Loureiro
Com o abandono dos campos, tecnologias milenares desapareceram também. As picotas e as noras ficaram esquecidas nos poços, apodrecendo lentamente. E até os próprios poços foram abandonados à sua sorte. Muitos tornaram-se buracos perigosos que se abrem debaixo dos pés sem aviso, outros desmoronaram-se e cairam no esquecimento.
Junto aos poços das parcelas mais pequenas ainda se encontram algumas pedras talhadas com um furo no meio cuja função se tem de adivinhar. São os contrapesos das picotas e o seu único vestígio, porque eram quase todas feitas só de madeira.
Antes de se passarem a usar os motores de rega, as noras movidas por burros ou, mais raramente, vacas eram a solução quando se precisava de mais água. As de madeira foram substituídas por máquinas de ferro fundido e são agora estes esqueletos ferrugentos que marcam o local dos poços.
Alcatruzes aos sol
O mais curioso nas noras é que a sua longa história ditou alterações interessantes. As de armação rígida, quando há espaço para as construir, têm alcatruzes como verdadeiros baldes, que mergulham na água e se enchem só no percurso ascendentes. As de armação flexível, adaptadas a poços fundos, têm alcatruzes com um buraco no fundo, para o ar escapar e não flutuarem inutilmente quando mergulham. À medida que sobem, um fio de água escorre para dentro do alcatruz seguinte.
Um monte de alcatruzes puxados para fora do poço quase simbolizam a esperança de os preservar fora de água e de algum dia os voltar a usar.
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