Inflação terceiro-mundista
Afonso Loureiro
A inflação tem duas formas de cálculo. A oficiosa é a mais usada e mede a variação de quanto mês sobra no fim do salário. Sente-se no bolso e varia de pessoa para pessoa consoante os seus hábitos de consumo.
A forma de cálculo oficial envolve um cabaz de produtos comuns aos quais se atribuíu a capacidade sobrenatural de acompanharem a variação dos preços de todos os outros ou de, pelo menos, representarem aproximamente os hábitos de consumo da maioria da população. Seguindo a evolução dos preços deste cabaz acredita-se que se consiga estimar a inflação. Este valor é depois comunicado ao público, envolto numa aura de autoridade imerecida, pois a escolha dos produtos do cabaz é tudo menos inocente. Ponderando criteriosamente o tipo e quantidades de cada produto, a inflação oficial sobe ou desce consoante as necessidades políticas, mas as inflações real e oficiosa não lhe fazem caso.
Bons exemplos destas escolhas cirúrgicas há muitos, mas o mais famoso é o das velas de estearina, que constaram do cabaz inflacionista do Reino Unido durante décadas, muito depois de já ninguém precisar de velas para iluminação. A pouca procura mantinha os preços baixos e o preço baixo das velas mantinha o cálculo da inflação abaixo do real – a não ser que se comprasse muitas velas.
Cabaz de Luanda
Um dos produtos com maior peso no cabaz para cálculo da inflação é o açúcar. É considerado bem essencial e entra na confecção de muitas coisas. Variações no seu preço reflectir-se-ão noutros produtos. Com esta noção em mente, podemos comparar o preço do açúcar do ano passado – antes da febre especulativa que ocorreu a poucas do Natal, com os da mesma época deste ano. É com algum espanto que notamos um aumento de uns assombrosos 40%.
Que ginástica estatística se fará para que a inflação oficial desminta a oficiosa por larga margem e demonstre que, afinal, não é terceiro-mundista?
Que ginástica se fará?
Bem, como exemplo, talvez analisem os resultados das promoções na restauração e hotelaria. De facto, nestes bens que até poderão não ser considerados essenciais, o custo não disparou. Em contrapartida, quem os vende vai acumulando prejuízos, dispensando mão-de-obra e engrossando as listas do desemprego
Não me parece que seja uma ginástica assim tão grande – se o peso do açúcar no cabaz de compras não for suficientemente grande (e até nem é – o peso da categoria de Alimentação e bebidas não alcoólicas é 17%) então qualquer variação (grande ou pequena) no preço não tem grande impacto no índice final. Espero que o teu cabaz de compras não se fique pelo açúcar :)!
Felizmente que não. Há mais de um ano que não compramos açúcar refinado cá para casa.