Enquanto chovia, a mais-velha fumava em casa
Afonso Loureiro
Enquanto conduzia debaixo de uma chuva persistente, insistente e irritante – daquelas que nos deixam sempre na dúvida entre manter os limpa pára-brisas ligados permanentemente para chiar no vidro a cada três escovadelas ou ir ligando sempre que se deixa de ver menos bem, maravilhei-me com a inconsciência de alguns condutores. Uns circulam sem luzes a dois palmos do carro da frente, também desalmado para tirar alguém da forca. Outros mudam de faixa como se a estrada estivesse vazia ou fosse uma pista de corridas mas, acima de tudo, chocam-me os que se esquecem que conduzir à chuva é muito mais perigoso do que o conforto do carro pode levar a acreditar. A música e os pés quentinhos associados ao tempo cinzento parece que fazem crescer palas nos olhos.
Lembrei-me das últimas chuvas em Luanda, quando as ruas em volta do laboratório estavam cobertas de montes de lama vermelha e os buracos cheios de água mudavam todos os dias de sítio. O trânsito era lento, mas havia sempre que tentasse ir mais depressa. A grande diferença era que lá chovia no Verão e estava calor. Aproveitavam-se as abertas para deixar entrar ar pelas janelas ou regatear o preço de umas bananas.
Pensando na chuva
Depois das grandes chuvadas havia sempre quintais inundados com mães e crianças munidos de baldes e vassouras para afastar a água da casa. E hoje essa recordação trouxe-me a da velhota que costumava fumar à porta de casa. Será que nos dias de chuva fumava em casa?
Este ano as primeiras chuvas tardam em cair em Luanda. Os mais velhos dizem que é mau presságio, que quando chegarem vai ser a valer… A ver vamos.
Mesmo que cheguem com a impetuosidade normal, quanto mais tempo com as linhas de água passam a acumular lixo, pior é o resultado da primeira grande chuvada.