Despertador de quarto vazio
Afonso Loureiro
Não são só os cheiros que despertam memórias gravadas bem fundo, que trazem à tona os factos embrulhados em emoções. Um elemento essencial da paisagem sonora moderna é a campainha dos telefones móveis. Nas cidades já não se ouvem pássaros, ouvem-se melodias mais ou menos discretas que marcam o início de uma breve conversa.
Como cada um pode escolher a sua melodia preferida, é fácil associar alguns toques a certas pessoas. Mesmo que seja o telefone de um desconhecido a tocar, lembramo-nos imediatamente de alguém. Curiosamente, acontece-me lembrar-me apenas das pessoas que me marcaram negativamente. Como exemplo, há um certo toque irritante, que felizmente está a cair em desuso, que me causa arrepios e cabelos eriçado porque imagino logo a voz de um antigo patrão que todos juram merecer internamento em hospício de quartos almofadados. Nem todas as recordações são tão más, obviamente.
Hoje apercebi-me que o meu despertador me traz a sensação de quarto vazio e de cama desconhecida. Habitualmente é o da Cristina que toca e a esse já associo a família. O meu só toca quando preciso de me levantar muito mais cedo que o normal ou em situações especiais. Durante muito tempo tocou porque estava longe e acordava sozinho numa cama que não era a minha, num quarto que não era meu e num país onde era estrangeiro.
Se o meu toca, naqueles segundos em que já estou desperto mas ainda não completamente acordado sou invadido por um sentimento de desorientação e solidão. Como será este quarto de hotel? Terei de desembaraçar-me do mosquiteiro? Quando regresso a casa? O meu despertador traz-me memórias estranhas. A Cristina está ao meu lado, mas tenho de confirmar com o braço esticado que o despertador me fez acordar em casa.
Infelizmente é muito triste acordar sem ti!
Cada dia que acordo ao teu lado é um dia de sol porque a luz da minha vida está num esticar de braço.