Dúvidas…
Afonso Loureiro
Angola é um país fantástico, cheio de encantos e pronto a ser descoberto. Gosto desta terra que me acolheu. Adaptei-me bem e posso contribuir para a reconstrução de um país que já sofreu demais. Primeiro foi a guerra para expulsar os colonialistas. Depois foi a guerra fraticida em que cada parte acusava a outra de estar a alimentar oportunistas.
Mas há alturas em que me encho de dúvidas. É mesmo aqui que quero estar? É em Luanda que está o meu futuro nos próximos anos?
Por um lado, parece que estou em Portugal. A arquitectura é-me familiar e a língua quase a mesma, pelo que me sinto em casa, mas depois sou confrontado com uma civilização que não condiz com a paisagem. Mesmo falando a língua e conhecendo a história que uniu estas duas nações não consigo deixar de me sentir um estrangeiro. Sei que, para muitos, não passo de um latôn…
Um estrangeiro na Fortaleza de Luanda
É nas pequenas coisas que este sentimento vem ao de cima. É olhar para os documentos que me acompanham para todo o lado, embrulhados numa bolsa de plástico. São as fotocópias do passaporte e do visto de trabalho, da carta de condução portuguesa, da carta internacional que parece uma lista telefónica. Será que quem os concebeu nunca imaginou que, com aquele tamanho, não são nada práticos de transportar? Fazia-me confusão ver os emigrantes em Portugal transportarem os seus documentos como hoje transporto os meus. Mas agora percebo que não há outra solução. Temos mesmo de andar com tudo aquilo atrás embrulhado em plástico.
Há dias em que chego a casa cansado. Não é só o cansaço físico, é também o cansaço que o afastamento dos que mais quero provoca. É a vontade de ir para casa descansar. É ter vontade de parar o carro não na Rua Amílcar Cabral, mas na Rua de Moçambique. É a vontade de enfiar as mãos por entre as grades do portão e sentir um nariz húmido e frio na ponta de um rafeiro que se agita ao ritmo da cauda. É a vontade de poder dizer que cheguei. É a falta de um abraço apertado que deixa um quentinho dentro do peito. São as saudades de me virar na cama e dar uma cabeçada na estante, ou de encostar a cabeça à parede enquanto durmo. São as saudades de olhar para a pilha dos livros que ainda estão por ler e saber que posso começar amanhã. Os cá de casa já li todos… É a vontade de espreitar pela janela da casa de banho e ver os novos ramos da oliveira a crescer.
Sinto falta de um quarto Vigor e de um pastel de nata da Marianita. Sinto falta de beber água da torneira ou de gelo nas bebidas.
Aborrece-me saber que podia fazer algumas coisas mas tenho as ferramentas a cinco mil quilómetros de distância. Aborrece-me saber que a bomba do poço voltou a avariar e que não posso perder uma tarde de volta dela porque estou longe.
Tenho saudades de andar de combóio e de metropolitano. Gostava de parar numa passadeira sem que o condutor atrás desate a buzinar. Queria montar o GPS no Patrol e ir procurar geocaches.
Vou fazendo algum exercício físico para manter algumas rotinas, mas já tenho saudades de ir ao ginásio. E fazer Body Combat sozinho não é das coisas mais estimulantes do mundo. Apetecia-me dançar uma Rumba com a Cristina ou de ir ao teatro reclamar das Bachatas…
Esta distância, que não me deixa enxugar lágrimas nem partilhar alegrias, é uma chatice.
Até há umas semanas, o passar do tempo era medido em comprimidos de mefloquina. Não fosse o Diabo tecê-las e ter de voltar para casa mais depressa que o previsto, fui mantendo a profilaxia do paludismo até partir para a província de Benguela. Agora já meço o tempo em semanas para o regresso… e perdi o medo aos mosquitos. Pelo sim, pelo não, vou batendo as palmas!
Calendário
Agora que comecei a fazer a contagem decrescente para as primeiras férias em casa, o tempo custa a passar porque a novidade de Angola às vezes parece rotina e já não me faz esquecer o quanto gosto de Portugal, com todos os seus defeitos e enganos.
Hoje deu-me para ter saudades de casa… acontecerá mais vezes, mas tem remédio. Basta pensar em todas as razões que me ajudaram a decidir partir para esta terra maravilhosa! E amanhã é dia de ir comer ao xilombo da Xilombo!
Maricas!! 😀
Também a casa da rua de Moçambique sente a tua ausência.
Faltam-lhe alguns dos sons e hábitos que a caracterizaram ao longo destes anos. Um molho de chaves a ser poisado na mesa da entrada, o clic do interruptor do quarto, a madeira da cama que estala como que a desejar-te as boas noites. O abrir de uma porta pela manhã seguido do som de uns pés descalços a percorrerem o corredor até á casa de banho. Uma cabeça que espreita por entre a porta e diz “Bom dia mana!”
Bom dia Mano! Um abraço daqueles!
À mesa eramos três, tu partiste e há três pratos na mesa; sobra sempre uma dose de comida, não sei porquê.
Oiço, logo pela manhã, “bom dia mãezinha”, não sei porquê.
O cão, quando entra em casa, esgueira-se logo para o teu quarto, inspecciona tudo e cola o nariz à tua cama, também não sei porquê.
Sei que, por mais águas que nos separem, o teu lugar estará sempre alagado de ternura e cativo no meu coração.
Já falta pouco para aquele abraço.
Oceanos de saudades da tua mãe.
Este posts está carregado de sentimento e claro também puxou ao meu.
É normal existirem dúvidas… é normal sentir-se saudades… eu também tenho milhentas saudades tuas (fazes-me muita falta), mas ambos sabemos que falta pouco e que será por um futuro melhor.
Um grande beijo e um abraço bem apertado.
Aqui em Luanda também tem uma Rua de Moçambique. Fica no Cruzeiro, perto do cemitério do Alto das Cruzes. Mais uma referência para você descobrir, tão familiar quanto estranha.
Olá Afonso!!
Quando posso venho sempre espreitar esta janela tão ampla que é o teu blog! Hoje li este post e fiquei emocionada!Não imagino o que seja estar tanto tempo afastado fisicamente de quem mais amamos..mas sei o que é lutar…muito, pelo que ser quer a valer!Por isso faz deste lugar o teu cantinho de casa e recebe estes miminhos de quem te espera em breve por terras lusas ;).
Até breve!
Tenho lido todos os teus posts e compreendo perfeitamente que de vez em quando tens de te relembrar do que te fez partir, mas não consigo compreender porque lhe chamas “terra maravilhosa”…
Estás a ser sascástico, certo?
De todos os teus posts, não consigo achar maravilha nenhuma, nem mesmo nas paisagens de pores do sol na praia, porque logo a seguir sai uma foto com a praia cheia de lixo ou uma criança com ar miserável…
A única coisa que poderá mesmo ser maravilhosa é a razão que te fez mudar de vida, isso sim.
Oh Lopes… maricas sou eu, que me humidificaram aqui os olhitos!
Força… e olha, quanto às geocaches, deixa que não tás a perder muito. São muitas, mas poucas boas 😀
Abraço,
Vitor Sérgio