Luanda vai à festa
Afonso Loureiro
Se eu tivesse chegado hoje, tinha tido uma experiência muito diferente. A Luanda de fins de Agosto não é igual à de meados de Junho. Está mais bonita. Está orgulhosa.
Luanda, essa velha senhora está a preparar-se para a festa das eleições. Como todas as senhoras da sua idade, é vaidosa. Vai experimentando vestidos novos e aplicando maquilhagem.
Quando cá cheguei, todos os edifícios tinham o ar de abandono que as últimas décadas de desleixo lhes davam. A camada de pó conseguia quase ocultar a idade da última camada de tinta e realçava todas as maleitas que a idade traz. Digamos que se assemelhava a pó-de-arroz sobre rugas bem vincadas…
Entra feio e sai bonito. É mesmo isto que queremos
Nas últimas semanas temos assistido à aplicação de uma camada de maquilhagem. Alguns muros e edifícios têm vindo a ser pintados com cores garridas. Vermelho, laranja e amarelo. Azul forte. As paredes brancas, cheias de graffiti foram repintadas e aparentam ser telas imaculadas. Outros prédios recebem uma pintura discreta, em tons de pastel não muito longe dos originais, mas deixam de sobressair no horizonte como edifícios degradados. Passam a ser um edifício discreto, bonito até. Os viadutos são decorados com motivos tradicionais e tornam-se autênticas obras de arte. Do outro lado da rua, um mestre pintor de reclames, esforça-se para que o letreiro da loja faça frente a semelhante concorrência.
Alegria no trabalho
Antes disso, Luanda fez uma limpeza de pele, digamos. Lentamente, as artérias que ligam o aeroporto ao centro da cidade têm ganho cor e brilho. O pó tem sido insistentemente varrido e já não parece ser um trabalho inglório. As brigadas de vassouras que, diligentemente, foram varrendo cada centímetro várias vezes ao dia, durante mais de um mês, conseguiram ganhar vantagem ao pó. Os montes que juntam são cada vez menores e há menos lixo nas bermas. Só faltam duas rodelas de pepino nos olhos para a senhora se sentir no Paraíso…
Todos os lugares são bons para pendurar as decorações
Como todas as mulheres modernas, não dispensa a cirurgia plástica. A prova disso são as obras que decorrem a um ritmo febril um pouco por toda a parte. Alisam-se umas estradas aqui, fazem-se uns implantes de viadutos por ali, uma lipo-aspiração de lixos vários em locais estratégicos e temos menos dez anos em cima!
Os vestidos novos são emprestados pelos partidos políticos, que enchem as janelas e paredes de bandeiras coloridas, forram os postes com faixas e atravessam as ruas com pendões que fazem lembrar festas populares. Os candongueiros enchem as Hiace de bandeiras e autocolantes do partido da sua preferência. Na sua maioria MPLA e UNITA, mas os outros também vão dando um ar da sua graça. A caminho das concentrações de simpatizantes, seguem em marcha lenta com lotação a triplicar. Gritam palavras de ordem e buzinam mais que o habitual. A festa está próxima!
Na falta de lugares no interior, abre-se a esplanada
Os sorrisos parecem mais abertos, como se esta preparação para a festa das eleições fosse o culminar do processo de paz que começou há dezasseis anos. Ou então é o brilho da tinta nova que se reflecte na alma das gentes.
Inimigos de outrora partilham a festa
O facto de se ver pessoas vestidas com a cor dos seus partidos a partilhar Cucas com os vizinhos, que envergam outra cor, só me faz pensar que talvez agora as coisas funcionem. Tanto se reprimiu os sentimentos de tribalismo que alimentaram a guerra que, hoje em dia, já só há Angolanos.
Enchem-me de optimismo, estas gentes de sorriso fácil e de esperança desmedida!
Espero que a vaidade dessa tal senhora permaneça depois da festa. Seria triste voltar a ver as rugas, as olheiras, os papos de galinha outra vez…
Esperemos que a festa continue e que o lixo não seja apenas varrido para baixo do tapete. Oxalá o teu optimismo e a esperança desmedida dos Angolanos dê lugar a medidas que permitam concretizar sonhos de quem está há tanto tempo à espera.
Beijos
Estive em Angola em Julho, onde já não ia há 33 anos.
Apesar do lixo, reapaixonei-me por Angola pelo luxo que as pess.oas simples são. As “pinceladas que aqui deixou” são bocadinhos para eu continuar a recordar Angola. Obrigada