No xilombo da Tia Teresa
Afonso Loureiro
Numa das nossas excursões até ao choco grelhado da Xilombo, acabámos por ir almoçar à casa de uma das suas vizinhas. A Xilombo não tinha mesa nem choco para nós.
Recomendou-nos a sua amiga Teresa, que também grelha peixe e choco num tambor de óleo velho.
Almoçámos no pátio da casa, resguardado da rua por um portão azul. Mais sossegado que o mercado de arte, mas sem o encanto da árvore da Xilombo.
Tradição
Tinha uma vida diferente. No pátio da Xilombo há uma fábrica de sofás. Aqui há uma capoeira e um depósito de correias de automóveis. Pensámos que não havia crianças, mas afinal estavam escondidas e eram muitas!
Irmãos, primos e afins
Foram elas quem achou mais piada à nossa refeição. Éramos a novidade. O primeiro a aparecer foi o Cámio. Disse-nos o nome, mas teve vergonha de dizer que só tinha três anos.
Cámio, o curioso
Depois vieram outras. A Elsa, a Ju, a Sandra, o Artur…
No chão, ao lado da mesa, mãos experientes tinham equilibrado uma panela numas pedras. As brasas tratavam de apurar a versão angolana da cachupa.
Cozendo lentamente
A mais-velha da casa tomava conta da panela.Ocasionalmente levantava a bacia de esmalte que fazia de tampa e espreitava o andamento das coisas. Ajeitava a lenha e tapava tudo outra vez.
A mais-nova
Quando o fumo da lenha começou a afugentar as moscas da mesa, achou que ficaríamos melhor se retirasse a lenha. Dissemos que não, que o fumo não nos incomodava e que assim não havia moscas. De nada valeu. A cachupa ficou a meio, o fumo foi-se e as moscas regressaram.
As pequenas coisas revelam mistérios insondáveis
O choco, temperado só com sumo de limão, estava mesmo bom. Como tudo se aproveita, a quantidade de comida é enganadora. Parece pouco quando está inteiro. Depois de cortado continua sem parecer muito, mas depois de se começar a comer, nunca mais acaba.
Choco grelhado, sumo de limão e batatas cozidas
A nossa refeição foi acompanhada de perto não só pelas crianças, mas também pela cadela que estava presa ao fundo do pátio, pelos muitos pintos que nos pisavam e pelo lagarto que se aquecia ao Sol ao nosso lado.
Observando atentamente
O R. armou-se em valente ou em herói de Shaolin, não sabemos bem, e experimentou baptizar o choco com gindungo. Passado um bocadinho, estava ranhoso, choroso e suado.
Experimentei uma minúscula gota desse picante. Posso dizer que não fica muitos pontos atrás do picante do Jaipur, em Lisboa.
«Antes o choco que eu»
Desta vez tivemos direito a sobremesa. Um pouco antes da Xilombo estava um camião carregado de abacaxis de Benguela. Comprei um dos pequenos por 200 Kz.
Só ficaram as espinhas
Era docinho e sumarento. Não podiamos ter pedido melhor.
É preciso lavar as mãos antes de comer
Entretanto a Xilombo juntou-se a nós. Quis assegurar-se de que não perdia clientes para a concorrência. Aproveitei para lhe dar a fotografia de há umas semanas. Quando a viu a, pensou logo em mandar ampliar e perguntou porque só se via a cara. A fotografia original tinha sido cortada para não haver tanto fundo, mas já ficou prometida uma cópia por inteiro.
Xilombo e tia Teresa
A Xilombo é muito vaidosa. E gosta de fotografias. Não foi preciso perguntar se podíamos tirar mais umas. É claro que sim! Agora até trazia um penteado novo… temos é de lhe trazer umas cópias!
Pose a três quartos, à modelo
A tia Teresa não nos achou europeus típicos. Aliás, até perguntou se já estávamos em Angola há muitos anos. Os brancos não costumam sair das suas rotinas e vir comer estas coisas, aos pátios das pessoas que cá moram.
«Para nós isto é normal. Desde que haja comida e uma cerveja, tudo está bem!» dizia a Teresa, entre dois tragos da garrafa de Eka.
A conclusão a que se chegou é que a maior razão de alegria eram as pequenas pernas a correr à nossa volta. Em Angola crianças é o que não falta. Assim a alegria não se acaba.
A Xilombo queria que lhe trouxessemos roupas de Portugal, porque eram diferentes, mais bonitas que as de cá… a Teresa apoiava-nos e dizia que agora eram iguais em todo o lado.
Haja alegria
Agora estamos divididos. Xilombo ou Teresa. Temos de passar a atirar uma moeda ao ar…
O tempero da Tia Teresa é uma delícia.
Por mim, vamos alternando.
O choco tem muito bom aspecto… e a companhia do almoço também me pareceu de primeira, assim é difícil a escolha.
A Xilombo cozinha e faz pose para a fotografia, num belo sorriso rasgado. As crianças são lindas e o pinto também.
O peixe, pode ser muito saboroso, mas tem umas trombas medonhamente infelizes. Quando fotografares pratos de peixe, por favor, arranja outro ângulo, menos dramático.
Continuação de bons repastos, bem temperados, sabendo gerir bem, ora o choco, ora o peixe carrancudo.
Um abraço, regado q.b de saudades.