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16  05 2010

Catato

Os japoneses são um povo com hábitos tão arreigados que, mesmo quando saem do Japão, procuram não sair da zona de conforto. Viajam em grupo, com outros japoneses, com quem podem falar Japonês e partilhar refeições japonesas. São conhecidos por tirar muitas fotografias aos sítios por onde passam. Julgo que os álbuns fotográficos que levam para casa apenas demonstrem que o resto do mundo fervilha de japoneses vestidos de cores garridas e ar espantado. Salvo raras excepções, mesmo que viajados, pouco mais conhecem que pedaços do Japão.

Há quem venha para Angola e se sinta como em casa, sem nunca notar as desigualdades sociais, a falta de infra-estruturas ou na sombra dos embondeiros. São os que vivem nas bolhas de ar condicionado e motorista que os leva da bolha do condomínio privado até à bolha do escritório na torre de vidro. Nunca chegam a entender o pregão das peixeiras, por seguirem o exemplo nipónico da interacção com outras culturas.

Vir para um país diferente e não fazer sequer um esforço para perceber quem são as suas gentes e provar a sua comida, é um atentado à inteligência. Sem viver as coisas, é difícil percebê-las.

Há quem leve o provar a comida e a interacção cultural a outros extremos, provando a fruta que não cresce nas árvores e bebendo a água do Bengo sem moderação, acabando por se aculturar de tal maneira que já não regressa a casa.

Como as coisas se devem apreciar com conta, peso e medida e no meio é que está a virtude, tenho procurado que a minha experiência seja suficientemente abrangente para que perceba quem são os angolanos. Na vertente gastronómica da terra, provei os funges de bombó, de milho branco e amarelo, o cabrité, as muambas, os mufetes e os calulus, as carnes e peixes secos, o veado e a paca, entre muitas outras coisas que já esqueci. De uns gostei mais, de outros menos, mas provei-os e posso emitir a minha opinião.

O esforço exigido para esta tarefa foi maior ou menor consoante o grau de familiaridade com a terra e as gentes, as expectativas ou, nalguns casos, o número de moscas em volta. Mas há dias em que o morrer estúpido quase vence a curiosidade. O verdadeiro teste chegou no dia em que provei Catato, coisa que, antes de provar, me disseram que sabia a Catato, e depois de provar, apenas sou capaz de repetir a resposta. Catato sabe a Catato e, se ajudar, é um pouco gorduroso.

Catato, larvas fritas
Catato

Catato são larvas carnudas fritas. Há que pôr de lado algumas pré-concepções para as experimentar e, para algumas pessoas, será certamente um salto de fé prová-las. Não é um prato particularmente saboroso, mas é nutritivo e, em caso de necessidade, come-se sem pensar duas vezes.

O dia em que comi larvas em Angola será mais uma história colorida para contar à família, mas já imagino algumas pessoas a fugir só de imaginar.

Acerca do autor

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Nascido no século passado com alma de engenheiro, partiu para Angola, de onde envia pequenos aerogramas.

13 respostas a “Catato”

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  1. aí esta uma coisa que eu como angolano ainda nao provei,e nem sei se tenho corajem.

  2. Afinal saiu vivo da experiência. Isso que importa…hehe

    😀

  3. Quem come caracóis não pode ser muito esquisito na hora de provar lagartas…

  4. Se eu soubesse disso antes…

  5. E as caras que os meus colegas angolanos fazem quando sabem que provei… são impagáveis.

  6. Eu já expliquei num comentário que parecia que Afonso Luoreiro falava como um velho colono de capacete colonial e que até já tinha andado de tipoia…

    Ora, como sei que poucos brancos angolanos ou pretos nascidos em Luanda sabem o nome desses bichos, era interessante saber de que dialecto vem esse nome.

    Porque nem em todos os lugares se comem essas lagartas.

    E dizer onde encontrou esses bichos. Só me foi dado ver essa alimentação assim como a sua captura e confecção, a sul de Silva Porto.

    Há muitos luandenses de todas as cores velhos e novos que sabem muito da sua terra e sua alimentação, principalmente de galinhas de aviário e camarão comprado na praça.

  7. Tenho cá a impressão que morria à fome….

  8. A palavra Catato julgo que seja Kimbundu, embora não o possa garantir. Sei que nas Lundas lhe chamam Macosso (Quioco ou Tchowé, possivelmente).

  9. Nunca comi fritos. Comi o catato seco preparado com muamba de ginguba e é bastante saboroso (para quem gosta de ginguba ;)). Antes tinha provado secos, sem serem confeccionados, e assim sabe realmente só a catato. Não me fez confusão nenhuma…mas sou algarvia e caracois para mim são iguaria por isso comer catato não coisa do outro mundo.

  10. Efectivamente nunca comi catato! Mas se sabe a catato estou curioso por provar!!! lol

  11. Para abrir o apetite, veja-se aqui um catato bastante grande, ao natural:

    http://kimbolagoa.blogs.sapo.pt/50307.html

    Eu não sei de onde vem o nome catato. Em quimbundo, catato significa “terceiro”, mas pode também desgnar esta lagarta. Porque não? É bem possível.

    No Uíje, por exemplo, as crianças das sanzalas fartam-se de apanhar lagartas destas, assá-las numa fogueira e comê-las.

    Pela parte que me toca, nunca fui capaz de comer caracóis, quanto mais lagartas…

  12. Eca!

  13. Confirmo, Catato sabe a Catato, e não é nada mau, com um molho de tomate divinal, foi uma boa experiência.
    Provei-os no Dundo faz hoje 3 dias.

    Abraço
    JC

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