Aerograma

Isento de Porte e de Sobretaxa Aérea

10 2008

Não há quem perceba…

Os Angolanos não percebem os Portugueses, especialmente os que viveram em Angola. Aliás, os Portugueses também não percebem os Portugueses, especialmente os que viveram em Angola.

A História recente de Portugal ficou marcada não só por uma mudança de regime político, como pela independência das suas colónias, ou províncias ultramarinas. A guerra que marcou a independência de Angola obrigou a acolher e integrar cerca de 5% da população portuguesa num país debilitado por anos de ditadura severa. Os retornados, como foram chamados, traziam um espírito diferente, educado ao sabor dos trópicos, com uma iniciativa e pragmatismo pouco comum na Europa.Trouxeram, também, uma imensa saudade da terra que os viu crescer. Todos, sem excepção, falam de África com uma lágrima ao canto do olho, com a noção de que é um tempo que não volta mais e que nunca serão tão felizes como foram. Os que viveram em Angola, por terem tido uma separação mais trágica, são os que mais sofrem.

Angola sempre foi uma espécie de Terra Prometida dos retornados. À semelhança dos Judeus, que foram expulsos de Israel e sempre sonharam em regressar, os Portugueses nunca esqueceram a terra onde todos os sonhos eram possíveis. Foram obrigados a sair e acabaram por ficar ainda mais ligados a esta terra do que se a tivessem deixado de livre vontade.

A terra portou-se mal para com eles, mas não guardaram rancor. Perdoaram assim que a deixaram e começaram a sonhar com o dia em que regressariam. Os Angolanos não compreendem este apêgo à terra que é sua. Julgam que, por terem escorraçado os colonos, eles passariam a odiar o país e as suas gentes, mas não, a imensa saudade que os retornados sentem por Angola consegue superar a saudade que nasce com os Portugueses, consegue esquecer as injúrias e os maus tratos, as perseguições em África e os olhares de desconfiança na metrópole. Os Angolanos acham estranho como pode haver alguém que ame mais o país alheio que o seu, que ame mais Angola que os Angolanos, que a queria ver livre e independente, mas sem a guerra e sem a miséria.

Durante a última guerra, havia angolanos que perguntavam, aos poucos portugueses que cá havia, quando é que esta história da Independência acabava, porque já estavam fartos de sofrer. Os portugueses não sabiam o que responder. Eu também não saberia. Antes da independência eram Portugueses de segunda, abaixo dos Portugueses metropolitanos, os “verdadeiros”. Depois da independência, foram perseguidos como colonialistas e refugiaram-se em Portugal, onde eram olhados de soslaio, como “exploradores dos pretos”. Todos prefeririam ter passado a ser Angolanos de primeira, sem distinção de raça ou cor. Independência, sim. O sofrimento era dispensável.

Os Angolanos não compreendem como pode alguém querer vir ajudar um país que o perseguiu, em detrimento do país que o acolheu. Acho que os retornados também não percebem.

Angola tem ao seu dispôr um capital humano invejável, que daria tudo para ajudar a reconstruir o país. Regressar à Terra Prometida é o seu sonho.

Acerca do autor

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Nascido no século passado com alma de engenheiro, partiu para Angola, de onde envia pequenos aerogramas.

Uma resposta a “Não há quem perceba…”

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  1. Esta semana estive a falar com uma angolana de Benguela. Ela disse que os angolanos recebem muito melhor os brasileiros do que os portugueses, é certo que como disse: “Eles não percebem”, aceitam a ajuda mas no fundo guardam mágoas relativamente ao passado quando os portugueses exploravam os africanos. A história continua viva! Enfim…

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