Mistelas
Afonso Loureiro
Corre o boato de que em Angola se come Kizaka e Funge. Consta também que já comi disso algures.
A receita é um segredo bem guardado. Sempre que se pergunta como se faz, as mulheres riem-se. Não sei se é por ser branco e querer saber como se faz a comida angolana porque gostei do sabor, se é por ser homem e estar proibido pela tradição de me aproximar da cozinha ou se é por ser segredo de Estado, que tem de pagar imposto para ser exportado. Um pouco à semelhança da arte, que tem de levar um selo de autorização de saída.
O certo é que o mais próximo que estive de uma receita foi um sorriso envergonhado a acompanhar um «é fácil…». Mas daí não passou. Talvez seja daquelas coisas que nasce com as pessoas, que é óbvio como se faz, mas não se consegue explicar. Passamos pelo mesmo problema quando tentamos explicar a sensação de andar de mota.
Como as indicações que tinha eram muito vagas, resolvi inventar. Para a Kizaka, os ingredientes básicos são óleo de palma, folhas de mandioca, cebola, água e coisas indeterminadas. Talvez esteja redondamente enganado, mas parti daqui.
Óleo de palma no tacho. Talvez muito, talvez pouco.
Comecei a aquecer o óleo de palma. Como a cozinha angolana também se miscigenou com a portuguesa, as hipóteses de começar com um refogado são grandes.
Ainda havia umas granadas de gás lacrimogéneo no cesto. A Lucinda tem de começar a vender cebolas mais mansas.
Aspecto inofensivo.
Não há faca molhada, óculos ou outros truques que valham. A história que estas cebolas contam é sempre de ir às lágrimas.
Cebola picada e pronta a saltar para o tacho
O óleo de palma é mais discreto que o azeite quanto à temperatura a que se encontra, pelo que ia tendo uma surpresa quando lá pus a cebola. Nota mental: não demorar tanto a picar a cebola.
Refogado com óleo de palma, quem diria?
Como não encontrei folhas de mandioca à venda, nem sei bem como as hei-de escolher, optei por uma solução de recurso: uma lata de espinafres.
Pode não parecer, mas são folhas de mandioca
Não demoraram muito a ir para o tacho.
Mais um pouco de água e deixa-se apurar
Entretanto, deparei-me com um problema. O que seria o ingrediente secreto? O que seriam as coisas indeterminadas?
Abri o armário e procurei algo com um rótulo sugestivo. Encontrei várias latas de atum. Seria isto um bom candidato a coisa indeterminada?
Hmmm… acho que já estou a aldrabar demais…
Escorri o óleo, desfiz os pedaços maiores e deparei-me com uma tigela cheia de coisas.
Nem sei que diga…
Não pedi licença e juntei o atum, perdão, a coisa indeterminada às folhas de mandioca, à cebola e ao óleo de palma.
Valente mixórdia. Ainda me arrisco a passar fome
Uns minutos de tacho semi-destapado, só para evaporar alguma água, e o panorama era parecido com as kizakas que tenho visto.
Kizaka aldrabada
Como a kizaka não se come sem acompanhamento, e estava numa de cozinha angolana, deitei mãos à obra para tentar fazer um funge.
Os ingredientes já conheço, mas não sei as proporções. Arrisco outra vez.
Água a ferver
O funge é farinha de mandioca, milho, batata-doce ou outra, cozida. Nada mais. Tem muitas vitaminas mas, acima de tudo, enche a barriga.
Fubá de bombo
Serão estas as proporções? Não eram, tive de acertar a farinha e a água algumas vezes, até conseguir algo parecido com o funge que já comi.
Depois de batido, consegui um funge com borbulhas
O funge tem de ser muito bem batido ou então fica com grumos, a que se chamam borbulhas. O processo habitual é segurar a panela entre os pés e, sentados, tentar furar o fundo usando um pau comprido.
Como não tinha pau-do-funge, nem me apetecia sentar no chão, acabei por usar uma colher de pau e suei as estopinhas para conseguir um funge demasiado líquido e com borbulhas… Estava destinado a comer do meu veneno.
Depois de juntar a kizaka ao funge, até nem parecia uma imitação barata. Provei e recomendo!
Et voilá!
Até fiquei com água na boca… essa mistela tem bom aspecto.
Concordo com a Cristina, tem mesmo bom aspecto. Kizaka são as folhas da mandioca, o prato é um cozido com todos esses ingredientes: cebola frita no óleo de denden. A opção do espinafre foi acertada, as folhas de mandioca só se forem pré-preparadas, cozidas em várias águas para libertarem as substâncias tóxicas e ficarem tenras. As “coisas indeterminadas” podem ser: pasta de jinguba(quitaba)e camarão ou sardinha e porque não atum?
O fungi está perfeito, nem eu consigo fazê-lo assim tão lisinho 🙂 Parabéns Afonso, você está a ficar um expert em pratos angolanos! Obrigado por partilhar estes momentos!
Depois de ver esta nova aventura nas artes da cozinha angolana, fiquei com vontade de experimentar 🙂
Vou às compras e depois digo o resultado 😀
Parabéns Afonso por esta receita angolana. Tem boas capacidades para se tornar um futuro cozinheiro!
bem que podia ter um blog só de culinária, este post ficou perfeito! parabéns!
Muito bem! Assim fica demonstrado que o homem na cozinha também pode fazer boas coisas…
Tchapepa!
o aspecto nao é assim TÃÃÃO convidativo, mas é de louvar o empenho! além de que os melhores cozinheiros são os que ”inventam” ne? parabens! 🙂
O aspecto é digno do título do artigo… mas nem era mau.
Bem… como “novata” por este país, vou tentar a receita. Que tal como o Afonso,a mim ninguém dá receitas. Quando pergunto à Luisa qual o segredo, sorri e diz que o faz se nos apetecer!!
Uma coisa lhe digo Afonso, tem bom aspecto e parece-me que não deixa a cozinha num caos como o meu marido(eheheh).
Se desarrumar, quem arruma sou eu, por isso não tenho grandes incentivos para fazer grandes barafundas…
por favor nao e com muito oleo,ese e fuge ou papa do recenacido? e vergonha eceis timpos das bricadeiras na net.
sim eu tambem nao vou em trengar areceita da kizaka.
combino
Quem não sabe como é faz como pode.
Hehehe como boa angolana morri de tanto rir com a sua receita, mas pra quem não sabe quais são os ingredientes, valeu o esforço rsrs.
Nunca soube ao certo como se cozinhava. Sempre que perguntava só me encolhiam os ombros, como se também não soubessem.
meu caro valeu a tua intenção mas eu sempre tenho dito que o caminho para a sabedoria é nao ter medo de errar assim o fizeste eu sei a receita verdadeira aproximaste do real.