Mudanças
Afonso Loureiro
Uma das primeiras coisas que mostrei quando cheguei a Angola foi a vista da janela do meu quarto.
Durante meses contemplei o todo-o-terreno sem uma porta, o lixo que escorregava pela encosta e os esgotos que formavam charcos num dos lados do lote desocupado onde as crianças jogam à bola.
Meses a fio vi o lixo crescer em montes coloridos. As crianças continuavam a jogar à bola, alheios ao monstro. No prédio acima, as mesmas lâmpadas fluorescentes acesas dia e noite.
Julguei que seria sempre assim. E foi, até ao dia em que a lâmpada azul deixou de acender. Ninguém a mudou, mas a outra continua a funcionar. O resto ficou na mesma. Talvez mais lixo, já nem sei. A certa altura já nem vemos o lixo. Está lá, mas parece que aquela confusão de cores dos plásticos rasgados e embaraçados já não estimula o cérebro. É o valor médio que temos de subtrair para obter as diferenças.
Foi assim que conheci este lote vazio
Entretanto fui de férias. Estive duas semanas longe de Luanda. Esperava encontrar tudo na mesma quando voltasse. Se durante quatro meses nada mudou, porque razão haveria de mudar nestas duas semanas.
Na primeira manhã em Luanda, espreitei pela janela. A lâmpada azul continuava fundida. A branca aguentava-se. Os miúdos corriam atrás de uma bola que, de tantas vezes ir parar ao charco fedorento, está muito suja. O lixo continuava a escorregar pela encosta. Aparentemente, tudo igual. No entanto, tinha a sensação de que algo estava diferente…
O carro sem porta tinha desaparecido! Era isso! Fiquei mais descansado.
Uns dias depois vejo dois infelizes, de fato-macaco verde e vassouras na mão, a empurrar o lixo da encosta cá para baixo. O monte de lixo, que tinha vindo a engordar ao longo dos tempos, dava-lhes pelo joelho. Empurravam sacos e latas para o campo do jogo da bola. Não o faziam com muito vigor, mas o lixo amontoava-se cá em baixo. Não lhes invejei a sorte. Havia ali umas valentes toneladas de porcaria.
Há que começar por algum lado
Uns minutos depois, aparece uma pá carregadora, que arrastava o balde pelo chão, recolhendo o lixo. Depositava-o num atrelado que se escondia atrás do prédio vizinho. Mais cantoneiros surgiram, empurrando o lixo.
Parece bem encaminhado
Quando regressei do trabalho, as crianças jogavam à bola com a lâmpada e o charco a assistirem. O lixo deixou só o lugar. Ainda há quem não tenha perdido a esperança na luta contra o lixo. Mesmo que tenha demorado uns meses valentes, agora tem tudo outro aspecto. Um lote já está, agora é continuar!
Trabalho concluído
Excelente resultado final! Valeu a pena esperares 4 meses para teres uma vista mais desafogada e sem lixo.