O fim da Memória
Afonso Loureiro
Perto do Largo do Lumeji, em frente ao Cinema 1º de Maio, mais um edifício do tempo colonial veio abaixo. Ficava na esquina, era vermelho e impunha a sua presença. Dizem-me que era uma escola. Há muito que não tinha alunos.
Cinema 1º de Maio, antigo Cinema Sindicato
Era um edifício interessante. Apesar de revelar os sinais do abandono que cobre Luanda, não era dos que estava em pior estado. Fiquei de o fotografar um destes dias, quando por lá passasse com a máquina. Fico-me pelas intenções. Hoje já só cheguei a tempo de ver a giratória galgar as últimas paredes, que se despediram da verticalidade com um suspiro de pó. Agora, a sombra da torre da China International Fund (CIF) já não tem mais que se cansar a subir para o telhado do seu mais-velho. Pode-se espreguiçar até à esquina seguinte.
Qualquer dia…
No quarteirão onde se está a construir um arranha-céus para a CIF, as marcas do passado são substituídas pelas promessas do futuro. As construções à escala humana vão dando lugar às de escala multinacional. Infelizmente, este não é um caso isolado. As construções coloniais vão sendo demolidas umas atrás das outras. Não são só incómodas por relembrarem o passado, ocupam o lugar do futuro.
Espreitando o futuro
A recente campanha de obras foca-se apenas na construção de coisas novas e modernas, sinais de progresso e ostentação. As antigas apenas lhes podem ceder o lugar. Reconstruir não vale a pena. Não se mostra obra, parece fácil. De qualquer das formas, não se pode reconstruir aquilo que teve três décadas de desmazelo e abusos. É demasiado caro. É inútil. A ausência de manutenção e as obras selvagens traçaram-lhes o destino há muito.
À espera da sua vez
As poucas obras que os edíficios sofrem, limitam-se às que os seus moradores fazem para melhorar o seu espaço. E aqui, para evitar problemas, as obras feitas pelos inquilinos passam a ser propriedade do senhorio. Nunca há intervenções de fundo. Quem as pagava?
Antigo ex-libris
A pouco e pouco, Luanda vai desaparecendo, submergida pelo centro de uma qualquer capital financeira. A Luanda centenária transforma-se numa cidade de torres de vidro e aço. As multinacionais disputam o seu lugar com vista para a baía. A tal baía que se planeia encher de areia para fazer uma marginal com seis faixas de rodagem. Obras faraónicas, alimentadas pelo petróleo e pelos diamantes. Enquanto isso, os esgotos da cidade continuam entupidos…
Luanda está cada vez mais parecida com lugar nenhum
A pouco e pouco a História da cidade e do país vai sendo apagada. As memórias esbatem-se a cada fachada que cai. Qualquer dia chegam ao fim…
olá,
estive apenas a ver as imagens, mas de certeza que mais logo voltarei com calma para também ver as palavras.
abraço
É triste que as memórias ocupem o lugar do futuro, em vez de o ajudarem a construir. Como se constrói a história de um país que sem memória também não tem história?
O verbo preservar não deve constar dos dicionários angolanos, e andamos nós a falar em acordos ortográficos.
“Malhas que o império tece…”
Um abraço carregado de memórias de outros abraços, para que conste.