Vila Viçosa
Afonso Loureiro
Depois de muitos meses de cacimbo em Luanda, com céus cinzentos e o Sol escondido, já começava a sentir saudades do clima português.
A voltinha pelo Alentejo serviu para voltar a ver um pôr-do-Sol a sério, daqueles em que o horizonte esconde a bola de fogo que deixou o céu cor de fogo.
No segundo dia, a chuva fez-nos companhia até Vila Viçosa. Depois foi-se embora, despedindo-se com um arco-íris duplo.
A dobrar é bem melhor
Uns minutos depois, veio um céu azul com nuvens de postal ilustrado. A maneira perfeita de apreciar o final do dia que se aproximava.
Farrapos brancos
Um dos meus assuntos favoritos para fotografar são portas. Essas máquinas espantosas que fazem a ligação entre o mundo exterior e a vida privada. Em Angola não o tenho podido fazer, embora haja lá muitas que mereçam ser fotografadas. Ter de espreitar por cima do ombro antes de enquadrar a fotografia não é a melhor maneira de apreciar a porta.
Felizmente que aqui não preciso de ter tantos cuidados e há muitas portas bonitas.
Porta do Sol
A luz do fim do dia, com um céu límpido e tudo lavadinho pela chuva, empresta um ar mágico às velhas pedras do castelo bem cuidado.
Os calipolenses têm orgulho na sua Vila Viçosa e o estado dos monumentos da vila é espelho disso.
Nas ameias
Do cimo das ameias temos um horizonte quase infinito. Noto algumas semelhanças com as paisagens angolanas, que parece nunca acabarem. No entanto, temos a sensação de que aqui é diferente. O suave ondular dos montes até à linha azulada que toca nas nuvens diz-nos que aqui não há embondeiros nem terras vermelhas.
Paisagem calipolense
O Alentejo é sempre um lavar de alma. Tudo faz sentido. As coisas funcionam como devem e sem sobressaltos. A famosa preguiça alentejana não é preguiça. É um ritmo constante e seguro, que se ajusta à paisagem. É mantendo esta cadência que se consegue falar a cantar e ter gestos que poderiam ser uma dança. É um ritmo que nasce com todos os alentejanos e se sente quando se sentam no café, provando uns petiscos e conversando em cante.
É este ritmo que faz as pessoas gostar das suas ruas e praças como das suas casas. Não atiram lixo para o chão. Não escrevem nas paredes. Tão diferentes dos angolanos médios.
Por vezes penso se toda a azáfama do mundo moderno não é um esforço inglório. Tentar cumprir prazos impossíveis, correr, correr e depois terminar tarde, com muitas coisas para corrigir. Porque não optar pela sabedoria milenar dos alentejanos, que são os herdeiros de todos os povos que por cá passaram e se apaixonaram pela terra. As coisas têm um ritmo delas. Pode parecer lento, pode parecer que não se chega a lado nenhum, mas é preciso ir fazendo. Como o varredor que admiro em Luanda, que varre dez centímetros de cada vez, o que importa é manter o ritmo. Os quilómetros que faltam varrer não importam. O que interessa é que estes dez centímetros já estão limpos.
As sombras
O lusco-fusco tropical é breve. Ora está um dia radioso, ora está uma noite cerrada. No princípio do Outono, com o Sol já baixo no horizonte, o lusco-fusco alentejano dura algumas horas. As sombras movem-se lentamente pelas fachadas e pelas ruas. Revelam detalhes que são invisíveis durante o resto do dia.
Já tinha saudades de ver sombras. Em Luanda, com o cacimbo, não há sombras. Uma luz uniforme invade todos os recantos e ilumina as esquinas. O Sol só está baixo ao final do dia e apenas por alguns minutos. As sombras correm e a noite invade tudo enquanto piscamos os olhos…
As sombras
Não há tempo para apreciar as coisas mais singelas, como um contraluz num céu de fim de dia. Quando reparamos nele, já acabou.
Esta visita ao Alentejo mostrou-me que tudo isto ainda existe. Sei que a grandeza de Angola também se revela na imensidão das paisagens monótonas e que contrasta com a imensa variedade de paisagens deste recanto a que chamo Pátria.
Portugal é pequenino, mas tão variado!
Lusco-fusco
Bonita reportagem!
Continuação de férias tranquilas e bem passadas.
Maria
Um texto quase poético, ou quiçá um Afonso poético. E muita sabedoria também. O Alentejo é único e sem dúvida, um lavar de alma.
Exelente as fotos da minha terrinha e o melhor é que sao fotos de sitios e cantos onde eu na minha infancia e adolescencia fui feliz.
Afonso
Se não és Alentejano devias ser!!!!!!!!!!!
Devo ter uma grande costela alentejana.